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Era uma vez, uma menina muito pequenina, que tinha ideias muito grandes. As ideias dela eram tão grandes, que já não cabiam na sua cabeça, então, começou a escrevê-las, em pequenas folhas de papel, que ia guardando numa caixinha. Ao passar o tempo, as ideias já não cabiam na caixinha e teve que colocá-las numa caixa maior, depois numa gaveta, num baú, num armário, e finalmente, num quarto.

A menina já não sabia onde guardar as suas ideias que, conforme passava o tempo, se iam tornando mais e mais complexas. Com esta modernização, e estando a mãe farta de tantos papeizinhos espalhados pela casa, esta decidiu comprar um computador à filha, para ela poder escrever todas as suas ideias nessa pequena ferramenta. A menina, ilusionada, perguntou à mãe, como é que tantos papeizinhos caberiam num computador tão pequenino. A mãe sorrindo disse-lhe que nem tudo era o que parecia, e que, com aquela coisinha, podia saber e aprender coisas sobre o mundo todo. Que poderia viajar para onde ela quisesse, aprender centenas de novas informações, imaginar mil e uma coisas, e tudo graças a essa pequena ferramenta. A pequenina logo de seguida começou a escrever as notas que tinha por toda a sua casa, espalhadas por todos os quartos, naquele minicomputador.

Ela escrevia, e escrevia, dia e noite, sem quase qualquer descanso!

À medida que ia escrevendo, começava a ter mais e mais ideias, que apontava no computador antes dos papeizinhos, porque depois ela poderia esquecer-se dessas maravilhosas ideias que concebia. Conforme escrevia as ideias começava a enumerá-las, para saber quantas ideias tinha com apenas oito anos. Ela passou dias, semanas, meses, no computador, apontando todas as suas magníficas ideias. Ao cabo de dois meses, ela já tinha conseguido escrever mais de seiscentas ideias. Todas elas eram excelentes, complexas, simples, inovadoras e belas.

Mas, começava a ficar amuada por escrever naquele computador tão sobrecarregado de coisas, e com coisas, refiro-me a ideias. Pois só havia ideias naquele computador, não existia nada mais. Nem programas, jogos, imagens, vídeos, filmes, histórias, livros, nada, apenas vários ficheiros com notas. Todas bem-apresentadas, e num pequeno canto, quase escondido, a internet. E não pensem que ela usava esse motor de busca vulgarmente, não… ela usava-o para conseguir investigar, aprender tudo o que precisava para poder escrever mais ideias. Ainda assim, estava cansada de tanto escrever e tinha que estudar, pois a escola era cada vez mais complicada. Então decidiu parar de ter ideias, mas não conseguiu, as ideias vinham sempre. Depois decidiu não escrever as ideias, decidiu tê-las e deixá-las na sua cabeça, sem as escrever.

Passaram seis horas, quando se começou a sentir ainda pior. Ela tinha deixado de escrever, sim, mas as suas ideias permaneciam na sua cabeça, tentando sair, mas sem resultado. Ficavam presas, esperando poder fugir da prisão onde as tinham colocado. Quatorze horas depois, a menina estava muito mal, nunca se tinha sentido dessa forma. Apesar de ter criado um recorde pessoal ao não escrever, isso não a deixava contente ou satisfeita, justo pelo contrário. A mãe, preocupada pela filha, habituada a vê-la escrever nos seus papeizinhos, e mais tarde, sempre sentada no computador, decidiu perguntar-lhe como se encontrava. Nesse momento, a pequena decidiu mentir, pois não queria preocupar a sua adorada mãe, dizendo que tinha parado de escrever porque estava farta de o fazer naquele computador. Que estava cansada e que se sentia mais relaxada desde que tinha decidido folgar durante um tempo.

Depois de tudo, quem não estaria cansado após escrever durante mais de dois meses, noite e dia?

A mãe, vendo a cara triste da filha, supôs que não se passava só isso com o seu pequeno rebento, então voltou a insistir. Perguntando-lhe se seria só isso o que lhe acontecia, se por alguma razão, ela não estaria a mentir… A menina olhou para a mãe, com os olhos grandes e húmidos, quase a chorar, não conseguia aguentar mais. Agarrou a sua mãe pela cinta, com demasiada força para uma menina de oito anos, soluçando. A adulta, ao ver isso, pegou na sua pequena filha ao colo e sentou-a no sofá, começando a fazer-lhe carinhos, protegendo-a.

Sentada, calmamente acariciava o cabelo da pequena cabeça que tinha deitada no seu colo. A menina, mais tranquila, começou a contar como os outros meninos e meninas da escola chamavam-lhe estranha, por passar tanto tempo a escrever. Gozavam com ela, chamavam-lhe nomes feios, afastavam-se, como se de um inseto se tratasse. Então a mãe começou a consolar a sua filha que, aos olhos dela, continuava a ser um bebé de colo, precisando da sua atenção eternamente.

— Escuta com muita atenção, porque tudo o que vou dizer é a mais verdadeira das verdades. Tu és o meu grande orgulho. A melhor escritora com a tua tenra idade. E nem todos conseguiriam fazer o que tu fazes. Nunca deverias ter parado de escrever as tuas fantásticas ideias, porque os outros unicamente têm inveja do bem-comportada e educada que tu, doce pequenina, és.

A menina olhou para a mãe e ofereceu-lhe um leve sorriso de satisfação. A mulher limpou os olhos chorosos da filha e, levantando-se levemente, dirigiu-se ao quarto da jovem, ficando lá uns instantes. Enquanto a menina se perguntava o que a mãe teria ido fazer ao seu quarto. Quando se começou a levantar, para investigar, a sua progenitora apareceu no meio do corredor, sorrindo, escondendo alguma coisa nas costas. A filha estava intrigada, perguntava-se o que a mãe teria ido fazer ao seu quarto, e que estaria ela a esconder… A mulher parou em frente ao sofá, e sentou-se. Logo a seguir, recomeçou a conversa com o seu pequeno rebento.

— Na tua escola, há alguém que nunca te tenha gozado?

A mulher sabia que existia muita maldade em várias crianças, mas esperava encontrar uma luz de esperança, que lhe foi correspondida quando a pequena assentiu levemente com a sua cabeça, respondendo que sim.

— Quem é?

Com uma leve timidez, a menina começou a responder, lentamente.

— É um rapaz que sempre me defende, e que está sempre ao meu lado durante os intervalos.

— Como se chama? Alguma vez disse alguma coisa sobre tu estares sempre a escrever?

— O nome dele é Iñaki e há algo que sempre me diz…

— O que é?

— Ele diz que eu devo seguir as minhas próprias ideias ou sonhos, e que não me preocupe por nada, exceto pelo que eu penso.

A mãe riu-se e perguntou-se a si própria onde é que um menino de nove anos conseguiria tirar tanta inspiração como para dizer esse tipo de discurso à sua querida Gabriela.

— Creio que tudo o que ele diz é verdade, e eu não poderia acrescentar muito mais, se não que sejas mais confiante, e que acredites no que podes fazer, pois só tu podes mudar o que és. Não deverias deixar que ninguém te prive da tua luz, nunca.

Depois, um pouco desconfiada devido ao seu instinto maternal, fez mais uma pergunta à sua filha.

— Esse menino parece bastante simpático, como é ele?

Os olhos da pequena brilharam intensamente, como se o seu trauma não tivesse existido, começou a falar compulsivamente sobre o seu amigo.

— Ele é mesmo muito simpático! O Iñaki é completamente oposto a mim. Ele é moreno, de olhos castanhos muito, muito escuros, quase negros! Tem um cabelo cor de chocolate, antes era muito comprido, mas agora está demasiado curto… Também é muito forte! Quando vamos almoçar consegue levar o seu tabuleiro de comida e o meu também, ao mesmo tempo!

Nesse momento as suspeitas da mãe foram confirmadas, e esperava que a amizade entre ambos durasse muito tempo. Com outro sorriso, ela voltou a entregar o computador à filha, pensando que a pequena iria de seguida escrever todas as ideias fantásticas que tivera reprimido nesse dia sem escrever. Mas, não foi bem assim. O primeiro que aconteceu foi, a pequena a pousar o computador sobre a mesa, e a seguir, abraçar fortemente a sua querida mãe. No final, beijou-a na bochecha antes de voltar a pegar no computador, fechando-se no seu quarto toda a noite. Escrevendo todas as ideias que tivera.

No dia seguinte, o Iñaki estava à espera da Gabriela perto da entrada da escola. Mas a pequena menina já não era a mesma. Durante a noite, tinham-lhe crescido novas emoções. Agora estava mais segura de si mesma, mais confiante e motivada. Nada do que os seus pequenos colegas de escola lhe dissessem podia afetá-la para negativo. Pois na noite anterior tinha-se prometido seguir os conselhos da sua mãe e do seu melhor amigo.

Assim foi passado o dia, escrevendo as suas ideias no final do seu caderno de português, depois passando-as para o computador logo mal chegava a casa.

Já passados quinze anos, Gabriela vivia sozinha, tinha um trabalho decente, uma vida monótona e organizada. Passava todos os domingos em casa dos pais. Ainda mantinha contacto com o Iñaki, aquele rapaz que sempre a apoiara. Agora com vinte e três anos, era uma mulher linda e confiante, que ainda tinha o seu pequeno velho computador. Com ele, ainda escrevia todas as suas ideias, agora com mais de milhões das mesmas. A vida corria de maravilha, até que um dia aconteceu o pior…

Nesse fatídico dia, ela tinha ficado de se encontrar com o seu querido amigo. Jantar e ver um filme era a reunião perfeita. O filme seria visto em casa dela, e enquanto o mesmo era escolhido e colocado por Iñaki, Gabriela começou a apontar diferentes ideias que tivera durante o dia. Num segundo, o velho computador parou de funcionar. A mulher jamais tivera sentido maior desesperação, e como nunca, desatou a chorar. Iñaki ao ver essa cena tentou acalmar a prezada amiga.

— Gabriela calma, olha para mim. O computador já era bastante antigo, era questão de momentos que deixasse de funcionar. Talvez, este seja um sinal de que deverias deixar de apontar tantas ideias, e começar a viver um pouco tudo aquilo que escreves. Com o tempo, podes comprar um novo computador para voltar a escrever novas ideias!

Ela olhou para Iñaki, custava-lhe imenso saber que a sua ferramenta mais querida tinha deixado de funcionar, mas sabia que o seu amigo tinha razão. Ela não ia deixar-se ficar triste, e mais uma vez prometeu-se seguir os conselhos do seu melhor companheiro, que nunca tivera deixado de a apoiar.

Ana Jenifer

Escritora

Imagem, Banksy, “Girl with Balloon [Menina com Balão]1Artista, Banskyhttps://www.myartbroker.com/artist-banksy/series-girl-with-balloon

Notas de rodapé

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