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A época do ciclo do Ouro Branco, foi um tempo áureo e importante para Portugal e à  ilha da Madeira. Contudo, é necessário fazer um pequeno enquadramento histórico desta  temática. De acordo com os autores (Frutuoso, 1873; Nepomuceno, 2003; Vieira, 2003),  a Ilha da Madeira foi descoberta em 1419 pelos navegadores portugueses Tristão Vaz  Teixeira, Bartolomeu Perestrelo e João Gonçalves Zarco, que a designaram de “Madeira”  pela abundância desta matéria-prima. Rapidamente se aperceberam do potencial e  relevância estratégica desta ilha e a colonização iniciou-se por volta do ano 1425, numa  obra vanguardista de João I de Portugal. Nesta fase, a fim de estimular o assentamento e  a exploração económica, a partir de 1440, um sistema de títulos de doadores foi  estabelecido:

  • 1440 – Capitania de Machico, doado a Tristão Vaz Teixeira;
  • 1446 – Capitania de Porto Santo, doado a Bartolomeu Perestrelo;
  • 1450 – Capitania do Funchal, doado a João Gonçalves Zarco.

Há que salientar que o peixe e os produtos hortofrutícolas foram o principal meio de  sobrevivência dos moradores nos primeiros tempos, contudo a ilha exportava madeira de  cedro, teixo e produtos como sangue de dragão (provenientes dos Dragoeiros) e o índigo.

A atividade agrícola local mais importante foi a cultura de trigo e de cereais,  produzidos pelos colonos por volta de 1450. Os cereais foram a primeira forma de  exploração agrícola da ilha, substituída pouco depois pela cana-de-açúcar, proveniente da  Sicília e já com experiências desenvolvidas no Algarve. São desta zona do país e do  Alentejo os primeiros colonos da ilha, de acordo com os autores (Vieira & Clode, 1996). No entanto, diante da queda da produção cerealífera, o infante D. Henrique determinou  plantação de cana- de – açúcar na ilha da Madeira, promovendo, para isso, a vinda, da  Sicília, da soca da primeira planta e dos técnicos especializados nesta cultura. A produção  de açúcar atraiu mercadores judeus, genoveses e portugueses para a ilha da Madeira e  isso tornou-se vital para a economia local. A produção de cana sacarina cresceu, exigindo  muito trabalho e mão-de-obra. Para fazer face a essa necessidade, foram trazidos para a  ilha, escravos das Ilhas Canárias, de Marrocos, da Mauritânia e posteriormente de outras  partes da África. O sucesso visível da plantação da cana-de-açúcar foi tal que deu à  metrópole do Funchal uma expressiva prosperidade económica. Este facto fez com que a cidade do Funchal se tornasse uma escala obrigatória das rotas comerciais europeias na  segunda metade do século XV.

Os três capitães donatários trouxeram para a ilha as suas famílias, um pequeno grupo  de senhores, pessoas em condições precárias e alguns ex-prisioneiros do reino. Para obter  as condições mínimas no desenvolvimento agrícola, tiveram que desbastar uma parte da  densa Floresta Laurissilva (atualmente classificada como Património da Humanidade pela  UNESCO em 1999), construir um grande número de canais de água, designadas por  “levadas”, porque na parte Norte da ilha tinha abundância de água que era um bem escasso  na costa sul, de acordo com o autor (Vieira, 2004).

O povoamento da Madeira foi o primeiro empreendimento da colonização moderna.  Realizado em condições atípicas, pela ausência de população e de uma estrutura produtiva  prévia local, mesmo primitiva, nunca a Europa Cristã empreendera uma operação deste  tipo. É possível afirmar que ocorreu a adaptação de um equipamento técnico e de uma  estrutura jurídico-social apropriados ao clima e às condições produtivas continentais, a  uma zona inteiramente nova e não preparada. Tal facto motivou grandes alterações e  ajustamentos, requerendo uma seleção e escolha de culturas adaptáveis, além das de  sustento, como o caso dos cereais e o tabaco. No caso da plantação e produção da cana de-açúcar, em 1433 é mencionada a ilha da Madeira, com intenções de produção  exportadora, e no fim do século XV, apresentava uma consistência já internacionalmente  impressionável: “ se produzo hoje em dia (1433) com tamanho rendimento, que a Europa  inteira tem mais açúcar do que era habitual.”, dirão viajantes de Nuremberga, assim  como em Bristol, em 1466, e na Flandres em 1468, de acordo os historiadores como  (Vieira, 2004) e (Nepomuceno, 2003) que têm considerado este acontecimento do século  XV um “êxito notável” e o seu negócio como “ o mais importante entre o de todos os  outros produtos dos dois arquipélagos da Madeira e Açores.” Ainda de acordo com o  autor (Nepomuceno, 2003), recordando que foi muito rapidamente que o povo  madeirense executou a reconversão da cultura de cereais para a da cana-de-açúcar  originária da Sicília, que nos últimos anos do século XIV, já tinha começado a ser  plantada e exportada no Algarve. Esta reconversão fez-se tão depressa, que «num lapso  de apenas cinco anos, a Madeira passará da condição de exportadora de cereais para a  situação inversa», facto verdadeiramente extraordinário e considerável (Guerra, 1990).

No princípio da manufatura açucareira madeirense não se pensou no problema da  lenha, porém a produção necessitava de um gasto considerável de madeira e sobretudo lenha para as fornalhas, além do seu uso na construção de engenho e caixas para exportá lo. Tornou-se um problema preocupante com determinações constantes do duque D.  Fernando e dos reis D. João II e D. Manuel I pois a devastação impiedosa e improvidente  provocara uma grande desflorestação em toda a ilha. Com a lei de 9 outubro de 1501  colocou-se termo à concessão de terras de sesmarias, como forma de impedir a  diminuição do parque florestal, tão necessário à laboração do açúcar. A partir deste  momento toda aquisição de terras só poderia fazer-se por via familiar, por meio de  herança, sucessão ou dote.

É difícil com a falta de elementos iconográficos determinar especificamente como era  moída a cana-de-açúcar na Madeira nos séculos XV e XVI. João de Barros na sua 1ª década na Ásia (1552) conta que o infante D. Henrique mandou levar para a Madeira vides de chipre, e simultaneamente cana-de-açúcar da Sicília, assim como mestres  entendidos no fabrico do açúcar. Também Cadamosto em 1455, no seu texto Navegações,  por duas vezes compara a Madeira com a Sicília no tocante a ser montanhosa e ter o  mesmo tipo de clima.

No entanto nem todos os mestres iniciais de engenho teriam sido sicilianos e pelo  menos em 1478, James Timor, era “valenciano mestre de açúcar na ilha da madeira”  devendo-se assim terem-se diversificado as origens dos vários técnicos a trabalharem na  Madeira. No contrato de Diogo de Teive em 1455, Luís de Cadamosto calcula a produção  na ilha em 6000 arrobas e em 1472 o açúcar exportado para a feitoria da Flandres começou  a alterar os custos gerais deste produto em toda Europa.

Usufruindo do apoio do senhorio e da coroa, principais interessados na sua produção,  a cana sacarina conquista o principal espaço ocupado pelas anteriores produções de  subsistência como as searas atingindo quase todo o solo arável da costa sul da ilha. “assim a “sorte” do açúcar “toca não somente ao proveito e bem comum da dita ilha, mas ainda  de todos os nossos reinos”, referido no alvará de 21 de agosto 1498.

O livro almoxarifado dos açúcares das partes do Funchal, do ano 1494, contém uma  estimativa particularizada da produção desse ano em 80451 arrobas. Para ser despachado  sem se deteriorar o ouro branco, em forma de cones cristalizados que se chamavam pães  de açúcar, era conservado dentro de caixas fabricadas com madeira típicas da floresta  Laurissilva nomeadamente o vinhático, o til e o cedro.

A capitania do Funchal agregava no seu perímetro as melhores terras para a cultura  da cana-de-açúcar ocupando a quase totalidade do espaço vertente meridional. Na década  30 do século XVI, consumava-se em pleno a crise da economia açucareira e o ilhéu viu se na necessidade de abandonar canaviais e de os substituir pelos vinhedos.

O Funchal tornou-se o centro do mundo e a cana-de-açúcar foi o principal motor da  economia da ilha da Madeira. Em 1472, o açúcar madeirense passou a ser exportado  diretamente para a Flandres, principal centro de distribuição, sendo a Madeira  reconhecida como um importante eixo das relações económicas entre Portugal e a  Flandres, raiz da ligação entre o fidalgo flamengo, importante comerciante de açúcar,  João Esmeraldo e a ilha.

A comercialização da indústria açucareira da Madeira atingiu o seu ponto culminante na década de 1620, que coincidiu com o comércio da arte flamenga e em  simultâneo com a maior parte das datas da arte flamenga na ilha, assinalando que o  ambiente era conhecido pela prosperidade empresarial. Importação de grandes obras,  sobretudo pinturas, a instalação de trípticos ou retábulos mistos, bem como imagens  principais de Bruges, Antuérpia e Marin. Também foram importados da Flandres e de  Hainaut produtos de prata, bronze e lápides com incrustações de metal, como as que hoje  se encontram na Igreja da Sé do Funchal e no Museu de Arte Sacra.

É importante salientar que até à primeira metade do século XVI, a ilha da Madeira  era um dos fundamentais mercados açucareiros do Oceano Atlântico, todavia com a  comercialização da cana-de-açúcar doutros mercados este ciclo findou. A importância da  produção açucareira foi tamanha e o seu peso no imaginário dos madeirenses foi tanto  que em 21 agosto de 1508, quando D. Manuel I elevou a primitiva vila do Funchal, a

categoria de cidade, deu-lhe por armas cincos pães de açúcar dispostos em cruz, em vez  das habituais quinas de Portugal. Desse modo, a evolução da povoação do Funchal foi  muito rápida, elevada a vila (1451), cidade (1508) e sede de bispado (1514).

É necessário referir ainda que embora a Madeira não tenha um clima tropical, o  certo é que possuía água e lenhas em abundância, que eram fundamentais para regar  grandes campos de cana-de-açúcar, e para alimentar os engenhos. Para tanto, apenas foi  necessário desviar o caudal de algumas ribeiras, e encaminhar essas águas através de  muitos quilómetros das famosas levadas, a fim de irrigarem os canaviais e moverem os  moinhos e os engenhos.

A histografia tradicional tem apresentado múltiplas explicações para a crise e  declínio assentes fundamentalmente na atuação de fatores externos, como a centralização  do poder e na concorrência do açúcar das Canárias, Brasil, Antilhas e S. Tomé e factores  de ordem interna como a carência de adubagem, desafeição do solo à cultura e as  alterações climáticas provenientes das devastações florestais dos primeiros povoadores.  (…). No entanto Fernando Jasmins Pereira, com o seu estudo do açúcar madeirense “a  decadência da produção madeirense, é primordialmente, motivada por um empobrecimento dos solos que, dada limitação da superfície aproveitável na cultura vai  reduzindo inexoravelmente a capacidade produtiva.

A predominância dada à cultura da cana sacarina, entretanto dificultou o  desenvolvimento eficaz de outras culturas o que somando ao aumento populacional ter estado na origem das dificuldades. A partir do início do século XVI o comércio  relativamente próspero do açúcar começou a declinar na Madeira acusando os terrenos  algum cansaço.

Após o findar deste ciclo, importante para a economia, pouco depois, surgiu uma  nova potência, a do vinho, que até nos nossos dias é famoso.

Natacha Silveira

Escritora do livro “Segredos de uma ilha” e Licenciada em Turismo

Imagem Por, Ivan Shishkin, “Mast-Tree grove [Корабельная роща]

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