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No primeiro dia de escola será rara a criança que não leva consigo, guardado na mochila e assente na mente, o recado dos pais: “Porta-te bem, ouve o Professor e aprende muito!”

Quando nos questionamos sobre qual será o verdadeiro papel da escola, parece ser unânime dizermos que é o lugar primordial das aprendizagens, do estudo contínuo, da disciplina. Basicamente, o lugar que nos prepara para o mundo lá fora, cheio de desafios, adversidades que auspiciamos transformar em aprendizagens.

Vou desafiá-lo a retroceder uns anos e recordar o seu primeiro dia de escola. Como se sentia? Enquanto pensa nisso, posso falar-lhe do meu primeiro dia de escola. Com a minha mochila em forma de coelho, com duas orelhas enormes, dois olhos brilhantes, eu entrei na escola com a energia característica de qualquer criança: a curiosidade.

A primeira coisa que pedem a uma criança recém-chegada à escola é que se sente na cadeira. Como assim, sentar? E ouvir o Professor. Como assim, ouvir o Professor? A criança quer falar, experimentar, tocar, conhecer, absorver tudo ao mais ínfimo pormenor. A verdade é que nem sempre assim é. Somos bombardeados com as regras a cumprir quando, nem cinco minutos volvidos, entrámos numa realidade tão nova e, aparentemente, tão engraçada. É que os adultos sempre nos disseram que aprender é muito divertido. Num primeiro momento, parece que os adultos não nos disseram tudo. E é aí que o verdadeiro papel da escola se começa a desenhar na vida de uma criança.

Vamos perceber que o Professor tem muitas folhas na algibeira e que dali muitas letras vão formar palavras, vamos aprender a ler e a conhecer histórias que vivem dentro de livros! Vamos perceber que se não queremos problemas, há que tentar manter a curiosidade na postura certa e ignorar os bichos carpinteiros que inundam os pés, tal é a vontade de os mover, saltar até. Nesse caminho, as aprendizagens continuam a condensar-se: aprendemos a mover o corpo, e as emoções, com base no que esperam de nós e da situação. Aprendemos a empatia e o respeito, sabendo que a nossa liberdade termina onde começa a do outro, mesmo quando sabemos a resposta certa, mas não é a nossa vez de responder. Afinal, os adultos sempre acertaram nisso de que há muito a aprender na sala de aula. Talvez seja esse o grande papel da escola? Não. Não é.

Acredito, convictamente, que mais importante do que as matérias que o Professor nos dá, estão as matérias que vivem a meias entre as paredes da escola e um recreio com o solo mais fértil daquelas que considero serem as verdadeiras aprendizagens.

É no recreio que a criança percebe que os meninos e as meninas podem dizer uma coisa e fazer outra. É nesse momento que aprendem o verbo «mentir» e a emoção que nasce dali: «surpresa». É no recreio que nos empurram pela primeira vez e surge alguém que nos ampara. É chegado o momento de aprendermos o significado de um «melhor amigo» na vida. Chegará o dia em que vemos que nem todos os meninos têm o mesmo que nós, percebendo que as diferenças podem ser aproximadas quando descobrimos um novo verbo na mochila, a saltitar para o pormos em prática: «partilhar». Quando vemos o nosso melhor amigo a assumir a responsabilidade pelo imbróglio em que se meteu, entendemos o significado de uma das palavras maiores de todas: «o carácter». São tantas palavras novas para aprender. Palavras com forma e essa forma vem do contraste com o outro, no recreio, na sala, com o professor, com a assistente. Com todos.

Talvez a verdadeira vontade de aprender nasça num recreio feito das maiores aventuras e de constantes pontos de interrogação. Acredito que são esses pontos de interrogação feitos de pessoas, de frases, de insultos, de surpresas, que fazem nascer a vontade de aprender esse verbo tão vasto que é «viver». É esse o momento em que a melhor amiga da aprendizagem aparece: a «curiosidade». Então sim, abrem-se as portas ao verdadeiro papel da escola.

Instiguemos a curiosidade nas crianças e, naturalmente, elas vão desejar aprender mais. Não através de regras imperiosas com estatísticas sofridas pelo meio. Eu falo antes de uma aprendizagem movida por esse elástico tão maleável, que é a curiosidade. De onde vêm as lágrimas? O que é uma emoção? De onde vêm os beijos? Nenhuma destas questões surge no plano curricular, mas um Professor que saiba o verdadeiro papel da escola também tem na sua mochila a segunda palavra mais importante de todas: «o entusiasmo».

E de onde vem o entusiasmo?

Do amor ao que se faz. E só assim, só com o amor como resposta, é que teremos crianças feitas de perguntas. E nunca, em momento algum, haverá uma pergunta em vão, esteja ou não integrada num programa que temos de respeitar.

Vejamos, com gentileza, todas as crianças em forma de ponto de interrogação. O papel da escola, o verdadeiro, é transformar esses pontos em muitas exclamações de quem descobre novidades todos os dias, transformando-as em travessões, palavras partilhadas e muitas reticências, de quem sabe que a aprendizagem não acaba na última página de um qualquer programa. Não acaba nunca. E que bom que assim é.

Por: Denise C. Rolo (Psicóloga Educacional)


Obra Por, Bernardo Bellotto, “View of Warsaw from the Royal Castle

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