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Quando tinha 20 anos, troquei o desconforto daquilo que me era conhecido, da minha casa, para vir estudar para o Porto. Saí para perseguir um sonho que não era meu: a música. Em 2020, o mundo foi apanhado de surpresa com uma crise pandémica e já na reta final do mestrado, com ofertas de emprego na área, encontrei uma saída de emergência daquele mundo que ocupou toda a minha vida e do qual me sentia tão alienada. Senti-me um fracasso. Mas a verdade é que os fracassos, muitas das vezes, parecem mais definitivos do que realmente são e, o fim de um capítulo nas nossas vidas, pode parecer o fim da história por completo.

No entanto, além do sentimento, devemos lembrar-nos que apenas conseguimos ver a história da nossa perspetiva: não sabemos o que todas as outras personagens estão a fazer, não sabemos que outros enredos se estão a desenvolver além da nossa perspetiva de ver as coisas. Os nossos “fracassos” não anulam a possibilidade de novos começos. Os nossos medos do futuro, não significam que o futuro está condenado. Enquanto estivermos aqui, novos dias nos encontrarão. Comigo, não foi apenas um novo dia que me encontrou. Pela primeira vez encontrei a vida, encontrei o meu lugar no mundo. Depois de bater com tanta força a porta da Música, foi com muito carinho que abri a janela da Psicologia.

Com essa decisão e tomada de consciência surgiu em simultâneo a necessidade de começar a trabalhar. “Sofia Prata, trabalhadora-estudante”, muito mais do que ouvir estas palavras na minha cabeça, custava-me acima de tudo dizê las em voz alta. Confesso que quando era mais nova não compreendia muito bem o que significava ser trabalhador-estudante. Talvez por não conhecer muitas pessoas assim e por achar que eram todos mais velhos do que eu… Associava trabalhadores-estudantes a más notas, a menos empenho, a menos dedicação, a falta de rumo… a tudo menos à verdade.

Rapidamente me vi materializada nesse preconceito que tinha criado em tempos. “Quem é que de repente decide voltar a estudar? Quem é que com 25 anos começa um novo curso?”; “Só vais acabar o curso e começar a exercer depois dos 30… isso é idade para estar casada e ter filhos”. Estes pensamentos atormentaram-me durante muito tempo e acreditava genuinamente que as pessoas à minha volta pensavam o mesmo. Más notas? Não necessariamente. No ano passado, no meu primeiro ano como trabalhadora-estudante, sim, foi difícil. Senti muitas dificuldades em gerir bem o meu tempo, em definir prioridades e não mantive o foco naquilo que realmente era importante para mim e no único motivo pelo qual me tinha tornado trabalhadora-estudante: a faculdade.

Tudo o que senti foi culpa e medo. Culpa por não conseguir passar o tempo que gostaria nas aulas e medo porque se não tivesse bons resultados no trabalho, podia ser despedida. Ao ser despedida, não tinha dinheiro para pagar a faculdade e este ciclo vicioso de culpa e medo repetia-se.

Ser trabalhadora-estudante significa não sair à noite até tarde porque no dia a seguir trabalho; significa que não posso estudar até de madrugada porque no dia a seguir vou acordar exausta e não consigo fazer o meu trabalho; significa que nos dias em que não tenho aulas não posso ficar aqueles cinco minutos a mais na cama porque às 9h já tenho que estar a trabalhar; significa não estar tanto tempo com as minhas pessoas porque é das poucas alturas em que tenho o tempo totalmente livre para estudar… No fundo, ser trabalhador-estudante é saberes que ninguém se esforça mais do que tu, que ninguém valoriza mais a faculdade do que tu. Significa que ninguém sente mais as pequenas vitórias do que tu.

De mim para ti

Mantém o foco na progressão real da tua vida, mesmo quando ela for lenta. Mantém o foco da tua mente em quem te queres tornar, não nas coisas que fizeste ou nos lugares onde estiveste, mas sim em quem tu queres ser, mesmo durante toda essa incerteza. Confia que irás ficar bem, não perfeito. Cada nova estação, cada novo desafio te está a moldar e a transformar. Mesmo quando sentires que não correspondes aos teus próprios padrões de merecimento, tu és digno de recomeçar.

Não é tarde demais para ti, mesmo quando é difícil vê-lo. Mesmo quando lutas para tomar decisões porque tens medo de errar novamente. Mesmo assim, há um caminho sob os teus pés, uma estrada sinuosa cheia de perguntas e também infinitas possibilidades. Qualquer coisa pode acontecer, e eu sei que isso faz o teu coração bater de entusiasmo, mas também de preocupação, enquanto te questionas do que aquilo pode significar. Mas é aí que entra a paz. Uma voz amorosa no meio do caos, lembrando-te que tu não precisas de ter tudo planeado antes de continuares a viajar 1Poema, Se, de Rudyard Kipling: Se podes conservar o teu bom senso e a calma / No mundo a delirar para quem o louco és tu.. / Se podes crer em ti com toda a força de alma / Quando ninguém te … Ler mais.

Por: Sofia Prata (Estudante de Psicologia)


Obra Por, Élisabeth Vigée Le Brun, “The Marquise de Pezay, and the Marquise de Rougé [La marquise de Pezay et la marquise de Rougé avec ses fils Alexis et Adrien]

Notas de rodapé

Notas de rodapé
1 Poema, Se, de Rudyard Kipling: Se podes conservar o teu bom senso e a calma / No mundo a delirar para quem o louco és tu.. / Se podes crer em ti com toda a força de alma / Quando ninguém te crê… Se vais faminto e nu, / Trilhando sem revolta um rumo solitário… / Se à torva intolerância, à negra incompreensão, / Tu podes responder subindo o teu calvário / Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão… (…)

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