Se me dissessem há 15 anos que hoje seria enfermeira, eu… acreditava. Porque nunca quis ter outra profissão.
Consideremos a enfermagem uma viagem. Sim, dessas viagens de mochila às costas. Feitas de imprevistos, surpresas, boas e más, resiliência, detentoras de experiências inigualáveis. Ser-se enfermeiro é mais que uma profissão, um trabalho. Somos a enfermagem dentro do nosso local de trabalho e fora dele. Ser enfermeiro é assumir que o somos para a vida. Muitos dizem que não é para todos, e não é. E muitos de nós que já o são percebem mais tarde que este não é o caminho, e não tem mal, está tudo bem.
Por vezes as costas doem, porque a mochila da enfermagem torna-se pesada. Quando embarcamos nesta viagem, neste modo de vida que é ser enfermeiro, aprende-se sobre abdicar, cedências e sacrifícios. Aprende-se a saber viver e olhar a vida com mais clareza e atenção que merece. Aprendemos sobre espírito de equipa e que precisamos todos uns dos outros.
Ser enfermeiro é ser dono de uma autenticidade que nem todos experimentam. É dar com o coração. Dar de nós, a toda a hora.
Ser enfermeiro é, num dia trazer à vida e no outro mediar despedidas. E é aqui que mora, muitas vezes a frustração consolada pela nossa resiliência e capacidade de seguir em frente. Mas nunca esquecendo o que se viu, o que se ouviu, o que sentiu. Tudo isso vai lá, às costas, na nossa mochila pesada. Ser enfermeiro é ouvir de alguém que “já não há nada a fazer”, mas para nós isso não chega, porque por mais insignificante que possa parecer ou que não seja possível alterar o desfecho, há sempre algo a fazer. Porque ser enfermeiro, também é ajudar a encontrar um sentido na vida de alguém mesmo quando julga já ter chegado ao fim.
Ser enfermeiro é crescer à força, e muitas vezes crescer dói. É não encontrar respostas para inúmeras perguntas.
Ser enfermeiro é levar os mais próximos de si, nesta viagem também. Porque em casa podemos aliviar as costas doridas da mochila, mas ela vai connosco na mesma. Julgo não ser fácil para os que rodeiam os enfermeiros. Por vezes exigimos demasiado da sua paciência, compreensão e tolerância. Mas eles continuam lá, do nosso lado. Firmes para quando caímos também.
Ser enfermeiro é andar lá em cima e no momento seguinte cá por baixo. É ver, dia após dia, as condições do nosso trabalho a degradarem-se, e a mochila cada vez mais pesada.
Há dias que nos chateamos muito com esta profissão. Que queremos bater com a porta e despir a camisola, suja e rasgada. Mas no fim do dia estamos lá, sempre. Porque ser enfermeiro é um privilégio.
Por: Andreia Belourico dos Santos (Enfermeira na area de cuidados paliativos, medicina interna e saude do adulto)
Obra por Isaac Israëls, “Dienstmeisjes op de Leidsegracht“
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