|| ◷ Tempo de leitura: 7 Minutos ||

A teoria da Relatividade Geral (RG) de Einstein é uma das teorias mais extraordinárias concebidas pela humanidade. Apesar de descoberta puramente mediante critérios teóricos de elegância, estética e simplicidade, a RG tem-se revelado extremamente bem-sucedida na explicação da fenomenologia dos campos gravitacionais fracos. Uma das previsões mais audaciosas, a da existência de ondas gravitacionais, foi recentemente confirmada pela colaboração LIGO. Esta descoberta excecional abre uma nova era para a astronomia e para a física teórica, permitindo testar a natureza da gravitação em condições mais extremas. No entanto, existem acrescidos argumentos, teóricos e empíricos, sugerindo que a RG não seja a teoria definitiva da gravitação. Dados observacionais de grande precisão confirmaram que o Universo se encontra numa fase de expansão acelerada. Mais especificamente, as observações de Supernovas do tipo Ia (SNIa) realizadas por duas equipas, i.e., a “Supernova Cosmology Project” e a “High-Z Supernova Search Team”, proporcionaram as primeiras evidências de uma expansão acelerada do Universo recente, surpreendendo a maioria dos cosmólogos e apelando à consideração de um ingrediente adicional, a energia escura, no modelo padrão da Cosmologia. Os investigadores principais dos referidos projetos, Saul Perlmutter, Adam Reiss e Brian Schmidt, foram galardoados com o prémio Nobel da Física, em 2011, pelo extraordinário impacto das suas descobertas para a compreensão do Universo.

De facto, a explicação desta fase de expansão cósmica acelerada constitui um dos desafios mais importantes em Cosmologia e traduz um possível desequilíbrio nas equações da gravitação. Um dos pilares da RG é a equação de campo de Einstein, que descreve a dinâmica do sistema em consideração. Surgiram várias propostas para explicar a aceleração, em especial envolvendo a energia escura e modificações da teoria da RG. A energia escura, reminiscente do éter do século XIX, é um fluido cósmico exótico que permeia o Universo e tem um caracter repulsivo. A natureza da energia escura é desconhecida, e acredita-se que seja homogénea e uniforme em todo o espaço. Possui uma forte pressão negativa para explicar a aceleração observada da expansão do universo e acredita-se que interage apenas através da força gravitacional. As melhores estimativas atuais indicam que a energia escura contribui com 68% da energia total no universo observável atual.

Costuma-se supor que a energia escura consiste em duas formas: a constante cosmológica, que representa uma densidade de energia constante que preenche o espaço homogeneamente, e os campos escalares, que são quantidades dinâmicas com densidades de energia que variam no tempo e no espaço. A explicação física mais simples para a constante cosmológica é que esta consiste da densidade de energia do espaço vazio, chamada de energia do vácuo. No entanto, um grande problema pendente na física moderna é que a teoria quântica de campo prevê que o valor dessa energia do vácuo é cerca de 120 ordens de magnitude maior do que o valor observado, o que é uma das piores e mais embaraçosas previsões da física atual. Em vez de assumir uma fonte de energia escura, outra abordagem diferente consiste em considerar que a teoria de Einstein é incompleta em largas escalas, sendo necessário modificar a RG para explicar a aceleração cósmica tardia. Esta última abordagem oferece, por um lado, uma explicação alternativa à do modelo cosmológico padrão para a história do Universo, e, por outro lado, fornece também um novo paradigma para a Natureza que é fundamentalmente distinto do das propostas de energia escura, mesmo quando estas se ajustam à expansão do Universo. De facto, existem outras motivações físicas para que se considerem modificações da gravitação, tais como, a necessidade de se ter uma representação mais realista desta interação perto de singularidades e a busca de uma teoria quântica da gravitação

Historicamente, é interessante notar que estamos a atravessar um período semelhante ao do séc. XIX, quando foram observadas irregularidades na órbita de Úrano. Considerando a lei da gravitação de Newton, cálculos teóricos independentes do astrónomo e matemático francês Urbain Le Verrier e do astrónomo britânico John Adams determinaram que a causa dessas discrepâncias orbitais se devia à presença de um corpo celeste ainda por descobrir. Le Verrier enviou as suas previsões a 18 de setembro de 1846 ao astrónomo alemão Johann Gottfried Galle, do Observatório de Berlim, e o planeta chamado Neptuno foi encontrado na mesma tarde em que Galle recebeu a carta, em 23 de setembro. A descoberta de Neptuno é considerada uma comprovação fundamental da mecânica celeste de Newton e é uma das previsões mais notáveis da ciência do século XIX.

Outro problema no século XIX foi a precessão do periélio (ponto mais próximo do Sol) da órbita do planeta Mercúrio. Várias soluções foram apresentadas para este fenómeno, tal como a existência de um planeta dentro da órbita de Mercúrio, batizado Vulcano, que nunca foi encontrado. Foi somente em 1915, quando Albert Einstein publicou a sua teoria da RG, que essa mudança no periélio de Mercúrio foi completamente compreendida. Nesse contexto, foi necessário modificar a teoria gravitacional existente na época, isto é, a lei da mecânica celeste de Newton, para explicar a precessão do periélio de Mercúrio.

A descoberta de Neptuno é formalmente análoga à previsão moderna de que existe uma fonte, isto é, a energia escura, responsável pela aceleração cósmica tardia. Por outro lado, a explicação da precessão do periélio de Mercúrio pela teoria da RG é uma situação formalmente idêntica à abordagem de que, para explicar a expansão cósmica acelerada, é preciso modificar as equações de campo de Einstein.

A expansão acelerada do Universo levanta inúmeras questões. O que é afinal a “energia escura” que induz a aceleração do Universo? Trata-se da energia do vácuo ou será antes um campo dinâmico? Ou será ainda o reflexo de modificações da teoria da RG de Einstein em largas escalas? Como é que a evolução do Universo é afetada nestes cenários alternativos? Quais serão as consequências da aceleração do Universo no futuro? A resolução destas questões fundamentais, que ultrapassam o quadro da teoria padrão da gravitação, é crucial para a cosmologia teórica e põe em causa os próprios fundamentos das interações entre matéria e energia.

Nos últimos anos, os cosmólogos têm estudado tanto a energia escura como modelos de gravidade modificada. Os testes gravitacionais que cobrem desde o sistema solar até às maiores escalas cosmológicas permitir-nos-ão impor restrições aos modelos gravitacionais admissíveis e proporcionarão uma contribuição crucial para desvendarmos a surpreendente natureza da aceleração do Universo e da própria interação gravítica. No futuro próximo, rastreios como os dos telescópios Euclid, “Square Kilometre Array” (SKA) e “Dark Energy Survey” (DES), entre outros, irão contribuir para uma extraordinária melhoria da precisão das nossas medições da expansão cósmica e da estrutura de larga escala do Universo e, consequentemente, oferecerão novas e melhores oportunidades para testar os modelos cosmológicos. Em particular, a missão Euclid foi projetada para explorar a evolução do universo escuro, e fará um mapa tridimensional do Universo observando mil milhões de galáxias até 10 mil milhões de anos-luz, em mais de um terço do céu. Tem como objetivo principal explicar qual a causa da expansão acelerada do Universo. Vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciência do Espaço (IA) fazem parte da missão Euclid da Agência Espacial Europeia (ESA) e alguns, em particular, integram a coordenação da participação nacional no Consórcio Euclid, dando o seu contributo ao projeto e colocando o nosso país na vanguarda da cosmologia. Atualmente, esta missão encontra-se na linha da frente da investigação, e espera-se que discrimine entre os modelos de energia escura, da gravitação modificada e da constante cosmológica. No futuro próximo aguarda-se grandes revelações no ramo da cosmologia.

Francisco S.N. Lobo

Coordenador e Investigador do Instituto de Astrofísica e Ciencias do Espaço

Imagem, NASA James Webb Space Telescope, “Webb’s First Deep Field

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Previous post All the Satellites Were Gone
Next post Feiticeiro das Chamas: Cap. 2