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«Dá para rir», diz-me ironicamente a Inês (nome fictício), proprietária de uma pequena empresa familiar, quando lhe digo que a coexistência do trabalho e da felicidade é possível. Apesar das evidências, a resistência do tecido empresarial àquilo que já não podem ou conseguem travar é persistente, diria quase crónica. Ninguém descobriu a pólvora ao constatar que um colaborador feliz contribui de forma significativa para o sucesso de uma empresa. Tem sido um assunto amplamente debatido e analisado entre várias vozes. Nic Marks, autor do livro The Happiness Manifesto, diz-nos que a felicidade no ambiente laboral se traduz em três estádios: entusiasmo, interesse e contentamento. De facto, sabemos que pessoas felizes têm mais energia e boa disposição; têm mais facilidade e espaço emocional para comprometerem-se com o trabalho e para assumirem mais responsabilidades profissionais; sabemos que sentem satisfação no desempenho do que fazem e orgulho nas responsabilidades que assumem. Os efeitos dessa felicidade contagiam os que estão à sua volta, em casa e no trabalho. E se um colaborador feliz se torna capaz de mobilizar equipas e de criar ideais, muitos trabalhadores felizes transformam-se no motor de uma empresa produtiva e lucrativa.

Portugal foi forçado a olhar de frente para o conceito de felicidade organizacional com a explosão da pandemia. Março de 2020 tornou-se o marco da transformação da dinâmica do trabalho no sistema português. Foi precisa uma disrupção violenta com a realidade instalada para finalmente abrir novos horizontes. O trabalho remoto tornou-se, por fim, numa realidade tangível para muitos cidadãos e com ele surgiu uma nova esperança: a humanização na organização do trabalho e na política organizacional das empresas.

O legislador procura agora, e bem, acompanhar esta nova dinâmica, instituindo regras laborais para uma nova realidade. As novas medidas relativas ao teletrabalho, em vigor desde janeiro deste ano, são a prova disso mesmo. E não há dúvida que a possibilidade de trabalhar a partir de casa veio dar um novo fôlego aos trabalhadores e às empresas. O teletrabalho permite estimular a felicidade organizacional; as vantagens são conhecidas entre todos: da parte do trabalhador, mais flexibilidade e liberdade para conciliar a vida profissional com a vida pessoal e familiar; da parte do empregador, menos custos operacionais e outros.

O caminho está aberto; a realidade impôs-se à visão estática e ultrapassada que as empresas tinham face ao trabalho remoto – raríssimo em Portugal e noutros países antes da pandemia – e veio para ficar. O teletrabalho é apenas uma das muitas medidas que as empresas podem e devem implementar se quiserem inovar, crescer e consolidar a sua posição no mercado de uma forma sólida e sustentável. Que seja este o mote para trazer mais reflexão e mais qualidade à discussão de um tema tão vital como este ao sucesso das empresas e dos seus trabalhadores. São cada vez mais as organizações que compreendem que o valor dos salários importa, mas já não é determinante para reter talentos. O mundo está a mudar, as pessoas percebem que o tempo é o bem mais precioso de que dispõem e não estão dispostas a gastá-lo sem um propósito, sem um catalisador que lhes proporcione equilíbrio e bem-estar emocional. Peter Drucker, considerando por muitos o pai da gestão moderna das organizações, disse que «Ganhar a vida não é mais suficiente. O trabalho tem de nos permitir viver a vida também». É indiscutível que hoje o valor facial da moeda no mundo das organizações está na felicidade dos seus colaboradores; quanto mais depressa o tecido empresarial português acompanhar a evolução dos tempos, maior será o diferencial de competitividade das empresas e maior o sucesso dos seus negócios e só assim será possível criar um ciclo de benefícios para trabalhadores e empresas.

À vista disso, sim, resulta das evidências que a coexistência do trabalho e da felicidade é possível e que todos, poderão fruir dessa realidade – por isso, se der para rir que seja de felicidade.

Por: Andreia Fernandes (Advogada nas seguintes áreas de atuação jurídicas: Administrativo, Família e Crianças, Trabalho, Penal, Militar e Civil)


Obra por, Pieter Brueghel the Elder “The Harvesters [Die Kornernte]

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