|| ◷ Tempo de leitura: 5 Minutos ||

Por norma, todos os artigos que versam sobre matéria jurídica baseiam-se em acórdãos, em decisões, e em jurisprudência. Não fugindo à regra, apresentamos uma análise desconstruída e não unânime, que procura patentear o pensamento crítico, acerca da união de facto e a sua equiparação (ou não) ao casamento. Uma questão de direitos fundamentais.

É certo, porque consagrado constitucionalmente no artigo 36.º, n.º 1 que, o indivíduo tem o direito de constituir família bem assim como, o Estado tem a obrigação de assegurar a promoção e efetivação desse direito.

Porém, antes de mais importa notar que a união de facto é, segundo o disposto no artigo 1.º da Lei n.º 07/2001 de 11 de maio “(…) a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.”

Fora amplamente discutido, por exemplo, se é admissível excluir a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais pessoalmente sofridos com a morte da pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges (veja-se a este propósito o disposto no artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil).

A discussão reside essencialmente na aplicação do princípio da igualdade e na aplicação do princípio da proporcionalidade.

Quanto ao princípio da igualdade:

Nas palavras de Maria da Glória Ferreira Pinto (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358), “o critério valorativo a que o princípio da igualdade, enquanto princípio jurídico, apela, não deve ser, em consequência, um critério de valores subjetivos, mas, pelo contrário, um critério retirado do quadro de valores vigentes numa sociedade, interpretados objetivamente”.

Neste sentido, o conceito de família sofreu uma evolução social, desde logo porque se começou a conceber as famílias monoparentais e homossexuais, e estes foram, a final, legalmente reconhecidos. Assim, afirmam Rui Medeiros e Jorge Miranda que, “a lei fundamental revela abertura à pluralidade e diversidade das relações familiares”.

Não obstante, note-se que tal não significa que a contraposição do artigo 36.º, n.º 1 equivalha à consagração do direito de estabelecer a união de facto e do direito de contrair casamento como as duas “formas alternativas da vida familiar”. Ou seja, admitir-se a união de facto como uma relação familiar, abrangida pelo supramencionado artigo constitucional não significa que não hajam razões justificativas para um tratamento diferenciado em relação ao casamento (segundo o princípio da igualdade haverá que atender às diferenças reais entre as pessoas e aos resultados obtidos: tratamento igual do que é igual e tratamento desigual do que é desigual – sob pena de inconstitucionalidade).

A situação material dos casados e a situação material dos unidos de facto é diferente: no primeiro caso o casal optou pela sujeição aos ónus, direitos e obrigações nascidos com o contrato de casamento. Compreende-se, assim, que não são situações iguais, que mereçam tratamento igual. Como é firmado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 87/07, “não há como concluir que a dita norma (artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil) nem vai contra o artigo 13.º nem contra o artigo 36.º conjugado com o princípio da proporcionalidade, nem vai contra o artigo 67.º porque a distinção que estabelece tem um respaldo numa prioridade de valores e num programa de proteção que ela própria adotou, e, por isso, não é injustificadamente arbitraria nem discriminatória, nem desprotege a família de facto”. (parênteses nossos).

Sobre o princípio da proporcionalidade:

Diz-nos o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 159/2005 que “o recorte de um regime jurídico – como o da destruição do vínculo matrimonial ou dos seus efeitos sucessórios – pela hipótese do casamento, deixando de fora situações que as partes não pretenderam intencionalmente submeter a ele, têm necessariamente como consequência a exclusão dos respetivos efeitos jurídicos. O que importa apurar é se tal recorte é aceitável – se segue um critério constitucionalmente aceitável – tendo em conta o fim prosseguido e as alternativas disponíveis – sem deixar de considerar a ampla margem de avaliação de custos e benefícios e como de escolha dessas alternativas, que, à luz dos objetivos de politica legislativa que ele próprio define dentro do quadro constitucional, tem de ser reconhecida ao legislador”.

A Constituição da República Portuguesa ao reconhecer o direito a constituir família no artigo 36.º, n.º 1 faz surgir no 67.º, n.º 1 uma obrigação do Estado para proteger a família. Rigorosamente, reconhece-se o “direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”. Tal artigo pode não significar que a união de facto mereça igual proteção face ao casamento, mas significa o dever de não desproteger, sem uma justificação razoável, a família que não se funda no casamento.

Será a união de facto o casamento dos dias de hoje? Deverá defender-se uma equiparação normativa entre os mesmos? São vários os fundamentos adotados na jurisprudência, muitos deles controvertidos e divergentes.

Hélia Costa

Jurista

Imagem Por, Edmund Blair Leighton, “The Wedding Register” (Bristol Museum & Art Gallery)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Previous post As promessas também são de água… evaporam
Next post Behind the Scenes