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Esta novela literária foi inspirada no filme “Salò ou os 120 Dias de Sodoma” de Pier Paolo Pasolini e
“Vem e Vê” de Elem Klimov


Tortura medieval
Profano sagrado
O nu contemplado
E violado,
Sacrificado.

Às mãos de delicadezas
Extremamente agonizantes.
Um carinho na bochecha,
Que se transforma numa facada
Na costela.
Silenciosa.
Serena.
Como pintada no renascentismo.

O que resta?
Senão caras paradas no tempo,
O trauma que se instala no ar,
O sorriso da mulher que retira a faca devagar?

Usavam trelas.
Para controle animal.
Proibido fornicar:
Se estiver vivo ou feliz.

O corpo do mártir continua
No pátio onde andam de gatas.

Um meio-homem decide
Deliciar-se com a necrofilia
De carne tão bem feita
Que desfaz-se do osso
Com cada movimento.

Isto é presenciado pelo resto do gado.
Já só sabem chorar ou manter um olhar estagnado.

Menos um casal de amigas
Que é estimulado por esta ação
E por sua vez, estimulam-se a si
Próprias.

Vivas, com sangue quente,
Pele suave, lábios carnudos.
Elas,
Com a mente morta.

Pele latina com pele rosada
Os seios estão cara-a-cara
E as mãos têm mais movimento
Do que as de um guitarrista.
Até o cabelo de uma mulher pode ser delicioso Face ao desejo.

Êxtase.
Dos vivos e dos mortos
E dos monstros.

Quando chega a Dona,
Muitos encolhem-se de medo
Muitos mantêm-se como estavam.

Ela e os seus lacaios,
Trazem chicotes e bichos em sacos,
Começa o festim de chicotadas,
O festim da alimentação forçada
De fezes e baratas.

Tortura medieval
Profano sagrado.

E no canto ela escolheu um dos Vivos
Para acariciar debaixo das calças
Enquanto presencia
O inferno a desenrolar-se,
Até deixar-lhe as mãos viscosas
E depois atirá-lo pro chão.
Fazendo o mesmo alimentar-se
Do seu próprio leite fresco.

Dedos fundos na garganta.
Ele vomita e sufoca

1 meio corpo no pátio,
1 corpo no estábulo.

Onde estará o inferno?
Lá fora ou por dentro?

Pondera sobre esta questão
Uma jovem que costumava ter belos
Atributos
Mas face à fome,
Diarreia e náuseas,
Já só é metade de si,
Mais pele que carne e órgãos.

Ela não chega a uma resposta concreta
Porque deduz que está nos dois.
O inferno desenrola-se em cena
Enquanto é infernal viver com tais traumas na mente.

⅓ de um corpo no pátio.
Meio corpo no estábulo.
E mais 2 homens com gangrena
Nas partes íntimas
Do ato sexual com os mortos.

Já não há espaço para êxtase
Só euforia disfarçada de adrenalina.
Dopamina.

Chora, chora a menina.
A outra é obrigada a tocar-se face a isto.
Outro leva chicotadas
E uma senta-se ao canto
A segurar alguns órgãos nas mãos
Os seus intestinos…

A Dona e os seus minions
Dançam em uma orgia
Constituída por sangue,
Mais sangue,
Leite,
Órgãos,
Escravos,
E facas de bolso.

No fim, já só restam metade
Pois não há satisfação para a Dona
Se não houver, em tudo, maldade.

Ossos, intestinos, ponderações,
Delírios.

Lá fora a guerra continua,
E pessoas não morrem de forma tão lenta,
Mas morrem por motivo nenhum.
Não satisfazem ninguém,
Não fazem parte de um culto,
Morrem porque alguém decidiu
Que deviam morrer.

Homens engravatados,
Sem mais nada para fazer.

O “não” dito na cara de um soldado,
Leva a um tiro no meio dos olhos,
Seguido de gasolina e fósforos.

E ele continua o seu dia,
E a Dona também.
Enquanto os corpos acumulam lá fora,
O inferno reina dentro de nós.
A menina sobrevive uns quantos minutos,
Enquanto lá fora um morre em plenos segundos,
E não lhes sei dizer qual o pior.

Porque não há uma melhor forma de morrer
Ela sempre dói.

A Dona vai para os seus aposentos
E lembra-se quando ela era o jantar
Do seu tio.
E do pai.
E dos primos.
Quando era vendida por algumas horas
A homens em caravanas
Com a barba grossa e manchas
Na camisola.

Quando viu o dito “pai” a estrangular
A sua mãe até à morte,
Até ficar fria e vazia.
E o choro da Dona tornar-se
Numa psicopatia.

Doença em forma de maldade,
Maldade em forma de doença.
Vinda de um reino assombrado
Pelos Vivos,
Decidiu continuar o legado.

Mas a que custo?

A cada dia mais sangue tem que
Derramar
Para ela ter algum contentamento.
A cada dia mais amputações,
A cada dia mais violações.

Porque as imagens repetem-se na cabeça dela
A ela própria…
E a Dona desconta nos outros
O que nunca deveria ter sido a ela.

No outro lado da cidade,
Um homem engravatado,
Um honrado soldado,
Limpa as mãos do sangue
Do filho da vizinha.

Decidiu começar um protesto
Que em 5 minutos acabou no
Necrotério.
E o choro da mãe ecoava
Por semanas sem fim.
Até o choro transformar-se
Numa doença em forma de maldade.

Indo atrás do soldado,
De punho fechado
A esconder a pistola
Deu-lhe um tiro no braço,
Outro no joelho,
E sentiu o choro dele ecoar
Por algumas horas
Até meter-lhe um tiro
Entre os olhos.

Outro funeral.

Outro vilão para a sociedade,
Neste ciclo sem fim
A oscilar nos níveis do inferno.

Deus decidiu abrir as nuvens
E olhar para os seus filhos,
Como crianças que brincam sozinhas.
E deparou-se com a insanidade.
Quando Judas caiu na terra ela transformou-se
No pecado,
E cada pecado cometido
Corrompe a vítima
Até ser ela um pecador.

Que dor,
Que horror.

Restos mortais no pátio.
1 e ⅓ de corpo no estábulo.
5 corpos no coreto.
E 500 corpos amontoados
Por detrás dos muros da guerra.

Deus olhou sobre a terra
E acho que a resposta que todos encontraram
É que o inferno não está cá fora
Ou cá dentro

Está em todo o lado,
E nasce nos humanos,

Que criaram o pecado.

Maria Karolina Santos

Escritora. Autora do texto “Asas de Anjo” e a Trilogia do Profano Sagrado (sendo este o primeiro texto).

Imagem, “Aline et Valcour, Marquis de Sade

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