O coração pulsa à velocidade de um comboio. Como se sentisse as engrenagens, os solavancos, nas veias do pescoço, dos pulsos, dos tornozelos. Tudo em redor passa numa paisagem rápida, impercetível. Ofegante, estagna antes de subir as escadas. As escadas rolantes avariaram e tem muitas escadas para subir. Tenta inspirar fundo, expirar fundo, fechar os olhos e recuperar energias. Recuperar a força de vontade perdida algures na viagem que há anos percorre.
Olha o relógio. O tempo não para. Não lhe dá sossego nem um momento para respirar, não pensar e recuperar. Quem lhe dera que o relógio estagnasse. Que tudo em seu redor estagnasse. Que a vida estagnasse por um segundo.
Como seria um alívio. Ter um segundo sem consultar as horas. Um segundo sem consultar a agenda. Um momento vazio na agenda, por preencher. Deixá-lo por preencher. Desligar-me e não pensar. Não pensar em nada. Assistir, apenas, à paisagem. Desligar todos estes fios condutores que me levam sempre a lado nenhum.
Em redor, talvez, uma paisagem de campos verdes. Ervas altas, finas e verdes que balançam ao sabor do vento. Ervas altas que lhe roçam os tornozelos, em jeito de cócegas. Ervas altas e acolhedoras. Como um abraço caloroso. Inspirar o seu odor e tranquilizar se. Inspirar fundo e sentir toda a natureza apoderar-se de si. Numa paz e tranquilidade há muito desejadas.
Poder inspirar fundo e expirar fundo seria um alívio. O constante som das engrenagens nos ouvidos. O constante apitar do comboio a alta velocidade. Imparável na vida. A locomotiva na frente e as engrenagens das rodas sempre atrás naquele som ensurdecedor, metálico. À sua passagem cerra os dentes e semicerra os olhos.
Não aguenta mais. Se não fechar os olhos, por um segundo que seja, não subirá as escadas. Ficará enquanto estátua no corredor de acesso e perderá a restante viagem. Perder-se-á no tempo que não para e nos ponteiros que seguem decididos a chegar onde prometeram.
O meu coração bate nesta loucura desmedida. O sangue pulsa nos ouvidos. A dor intermitente no peito, como um bumerangue. Este cansaço permanente.
Coloca um pé no primeiro degrau. Inspira e inicia a subida. Sobe, tendo em atenção os ponteiros. A lista de tarefas desenhada mentalmente. Risca as concluídas. Novas se vão desenhando.
Devia parar para respirar. Se não respirar, não chegarei ao topo. Não chegarei ao fim. E tudo o que falta? E a restante viagem que me espera? Será que espera?
Em redor, não vislumbra os campos verdes ansiados. Em redor, apenas um turbilhão de imagens rodopia. As imagens rodopiam sem ordenação. Rodopiam num rumo e noutro, sem orientação. Sem qualquer concreta direção. Rodopiam sem sinal de cansaço. Rodopiam e rodopiam.
O estômago contorce-se.
Restam apenas uns degraus. Uns míseros degraus. Vá lá, continua. Apenas uns míseros degraus restam. Não esmoreças agora. Não deixes o tempo ganhar, os ponteiros ganhar. Não deixes os afazeres da lista para depois. Numa lista interminável e impossível de concretizar. Quem virá depois de ti que a permita concluir?
O estômago contorce-se. Verga-se um pouco. A respiração ofegante corta-lhe, por momentos, o raciocínio. No entanto, de fundo, os ponteiros insistem em prosseguir. Ouve-lhes o clique e o persistente tique-taque. Ouve-lhes os sorrisinhos baixinhos de troça, clamando por vitória.
Ainda não. Ainda não me venceram.
Arrasta mais um pé, subindo o degrau. Arrasta o outro e, aos poucos, vai subindo. A mão pousada no corrimão. O pulso em esforço perante o peso do corpo inclinado. Perante o peso de um corpo quase tombado.
Em redor, ainda não vislumbra os campos verdes ansiados. Em redor, apenas um turbilhão de imagens rodopia. Rodopia e rodopia. Ainda rodopia.
E permanecem os sorrisinhos de fundo, cada vez mais altos. Cada vez mais certos da vitória. Cada vez mais envoltos numa alegria.
Ainda não. Ainda não me venceram.
Jurista, Escritora e Autora da obra “A Noite Onde Me Deixaste” e outros textos como “Um Sonho Perdido”, “Meio Ambiente“, “Sonhos“ e “O Fabuloso Destino“
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