Quando terminaram o jantar dirigiram-se à sala onde a fogueira aquecia os corpos e iluminava o espaço.
Uma sala pequena e acolhedora. Glória e Mário sentaram-se no sofá grande, em frente à lareira. Joaquim e Natália ficaram nos dois cadeirões à volta do sofá, um à esquerda, outro à direita. Mateus, que, entretanto, apareceu à procura dos seus presentes – ainda sem dirigir a palavra a ninguém – sentava-se no chão. Para Ricardo, trouxeram uma cadeira da cozinha. Sentava-se ao lado de Joaquim.
‘Glória, eu não trouxe presente para o teu primo. Mas também o que é que eu podia dar a alguém que tem tantas dívidas?’
‘Arre burro, Mário! Ele não é meu primo. É um mendigo que convidaram para jantar.’
Mário abanou a cabeça. Não percebeu o que Glória disse, mas também não se preocupou muito com isso. Contemplava agora a felicidade do neto que desembrulhava o primeiro presente.
O entusiasmo de Mateus desvaneceu logo que percebeu o que lhe tinham oferecido.
‘Um livro? Eu não gosto de ler. Não quero isto para nada. Palavras paradas numa folha de papel, para quê?’
‘Ainda bem que gostaste Mateus, foi um dos poucos livros que consegui trazer de volta da guerra. Até me lembro que esse livro…’
‘Mateus, – interrompeu Glória – o avô Mário quis dar-te o livro, mas também comprámos outra coisa.’ – Glória apontava para um saco grande – o maior – debaixo da árvore.
Mateus rasgou o saco o mais rápido que pode.
‘Fogo!’ – atirou o saco ao chão. O pijama que retirara de dentro do saco voou e aterrou em cima de Ricardo.
‘Mateus, estás a passar das marcas!’ – avisou a mãe.
‘Ele que o vista, não é ele que passa muito frio?’
Os restantes presentes foram abertos e à exceção de Mateus todos pareciam satisfeitos com as ofertas – o avô Mário até disse que a camisa nova lhe fazia lembrar Joel, um parceiro de guerra que sempre que se chateava rasgava a camisa. ‘Andava sempre de camisa e chateava-se muitas vezes. Rasgou mais de cem.’
A única prenda que deixou Mateus um pouco mais satisfeito foi a dos pais: um videojogo.
Ricardo ergueu-se da cadeira:
‘Obrigado pelo convite. Foi uma noite muito agradável. Vou andando.’
Joaquim acompanhou a visita, pegou-lhe na mão.
‘Ora essa. Se não fosse o Ricardo, não sei a que horas teríamos jantado. Obrigado por ter vindo.’
‘Ricardo, espere um pouquinho que vou ensacar as sobras do jantar. Pelo menos fica com comida para mais alguns dias.’ – disse Natália.
Ricardo recebeu o saco. Agradeceu mais uma vez, e partiu.
Mário espreitou, sentado no sofá, a despedida à porta.
‘O Eduardo foi levar o lixo?’
Terceiro Capitulo do conto, “Companhia de Natal”
Por: Simão Crespo João (Apresentador do Podcast Tenho Media Pa’Isto e Criador do Enso Project)
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