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24 DEZEMBRO 2015

Era final de tarde no dia da consoada. O frio fazia-se sentir como se o inverno quisesse impedir as pessoas de se esquecerem que era Natal.

Ricardo saía do minimercado com as últimas compras para a noite de consoada. Calças pretas, camisa branca e casaco azul-escuro. Tinha o cabelo arranjado e um aroma agradável.

Há seis anos que tinha recomposto a sua vida. Arranjou trabalho numa oficina onde dormiu também durante o primeiro mês, até conseguir pagar uma renda. Tornara-se um empregado exemplar e ao terceiro ano foi promovido a chefe de oficina.

A reviravolta na sua vida e o conforto de que usufruía agora não o impediram de se recordar sempre do gesto amável que os Bessa tiveram para consigo. Desde que arranjou emprego, todos os anos em épocas festivas, convidou um mendigo, por vezes dois, para jantar consigo em sua casa.  Vivia sozinho e este gesto seria uma forma de ter companhia e, simultaneamente, honrar o gesto dos Bessa.

Este ano não foi diferente. Ainda não tinha companhia, mas conhecia alguns sítios nos arredores onde poderia encontrar mendigos.

Deixou as compras na bagageira, sentou-se ao volante e quando ergueu os olhos viu, ao fundo do parque de estacionamento, um mendigo com um gorro de pai natal. Tinha roupas gastas e uma manta castanho-escuro por cima dos ombros.

Ricardo foi ao encontro do homem.

‘Olá, amigo. Vivo sozinho e teria muito gosto em ter companhia para passar o Natal. Gostaria de vir comigo? Vou fazer uma boa fogueira e estou a planear assar borrego.’

O mendigo esboçou um ligeiro sorriso, levantou-se e disse:

‘Boa tarde. Aceito o convite sim. Obrigado’

Caminhavam em direção ao carro.

‘Sabe… eu vivi na rua uns bons anos também. Sei que a vida pode ser muito dura… A minha mãe morreu no dia em que eu nasci. O meu pai emigrou, e os meus avós morreram. Fiquei sem nada.’

‘Pois, aconteceu-me algo parecido, os meus pais morreram quando eu tinha vinte anos. Ainda não tinham acabado de pagar a casa e eu também não conseguia suportar a despesa.

Mas se esteve tantos anos na rua, como é que está aqui assim todo bem vestido?’

‘Entretanto consegui arranjar um emprego numa oficina, arranjar carros é das poucas coisas que sei fazer.

Sente-se aí no banco da frente. Vou à bagageira buscar-lhe um pão.’

‘Obrigado.’

O mendigo atacou o pão vorazmente enquanto Ricardo ligava o carro.

‘Nem me apresentei. Sou o Ricardo.’

‘Sou o Mateus.’

Olharam um para o outro…


Último Capitulo do conto, “Companhia de Natal”
Por: Simão Crespo João (Apresentador do Podcast Tenho Media Pa’Isto e Criador do Enso Project)

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