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Eduardo Lourenço Faria nasceu em 23 de maio de 1923, em S. Pedro do Rio Seco, no concelho de Almeida, na Beira Alta. O mais velho de sete irmãos e filho de um militar do exército, frequentou a escola primária da aldeia onde nasceu e matriculou-se, posteriormente, no Colégio Militar, em Lisboa, onde concluiu o curso em 1940. Frequentou o curso de Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde foi depois professor assistente. Emigrou para França em 1949, ano em que é publicado o seu livro de estreia, Heterodoxia I.

Foi leitor de Língua e Cultura Portuguesa nas Universidades de Hamburgo e Heidelberg, na Alemanha, e Montpellier, em França, depois professor de Filosofia na Universidade Federal da Bahia, no Brasil. Também foi leitor a cargo do Governo francês nas Universidades de Grenoble e de Nice.

Entre as várias distinções que Eduardo Lourenço recebeu, estão o Prémio Casa da Imprensa (1974), o Prémio Jacinto do Prado Coelho (1986), o Prémio Europeu de Ensaio Charles Veillon (1988), o Prémio Camões (1996), o Prémio Pessoa (2011), e o Prix du Rayonnement de la Langue et de la Littérature Françaises da Academia Francesa (2016). Em França, recebeu também a condecoração de Officier de l’Ordre de Mérite, Chevalier de L’Ordre des Arts et des Lettres; em Espanha, a Encomienda de Numero de la Orden del Mérito Civil. Em Portugal, era Grande Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, de que também possuía a Grã-Cruz, assim como da Ordem do Infante D. Henrique e da Ordem da Liberdade. Era também Oficial da Ordem Nacional do Mérito, Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras e da Legião de Honra de França.

Em 2018, foi protagonista e narrador da sua própria história, num filme de Miguel Gonçalves Mendes, que teve antestreia a 23 de maio, dia em que Eduardo Lourenço completou 95 anos. Intitulado O Labirinto da Saudade, o filme adapta a obra homónima de Lourenço e traça uma viagem através da cabeça do pensador, constituindo-se como uma “homenagem em vida” do realizador ao ensaísta.

Faleceu a 1 de dezembro de 2020 em Lisboa

Treze citações filosóficas, de Eduardo Lourenço, sobre Portugal, cultura, língua e comunidades

Portugal

Poucos povos serão como o nosso tão intimamente quixotescos, quer dizer, tão indistintamente Quixote e Sancho. Quando se sonharam sonhos maiores do que nós, mesmo a parte de Sancho que nos enraíza na realidade está sempre pronta a tomar os moinhos por gigantes. A nossa última aventura quixotesca tirou-nos a venda dos olhos, e a nossa imagem é hoje mais serena e mais harmoniosa que noutras épocas de desvairo o pôde ser. Mas não nos muda os sonhos.

‘Nós e a Europa ou as Duas Razões’, 1988

Os portugueses ainda vivem com um excesso de passado. Sobretudo com essa espécie de fixação histórica, que pode ser de tipo erótico ou outra, temos a nossa fixação sobre o nosso período áureo. Estamos eternamente no século XVI, estamos eternamente navegando para a Índia. Porque foi aquilo que fizemos enquanto povo de mais extraordinário, aí deixámos a nossa marca na história do mundo.

‘Entre Nós’, Universidade Aberta, 2002

A história de Portugal é, de facto, singular. Os portugueses foram para todo o lado, mas nunca saíram, levaram a casinha com eles. Fizeram a mesma coisa na Europa. Salvo uma elite, que se preocupava com o que se passava lá fora – e imitava ou recusava -, a todos os outros foi a Europa que lhes chegou: veio por aí abaixo com os caminhos-de-ferro.

Público, 2007

Portugal não é uma ilha, mas vive como se fosse. Talvez por uma determinação de quase autodefesa. O que me admira mais não é a preocupação constante que temos em saber qual é a figura que fazemos no mundo enquanto portugueses. Todos os países terão à sua maneira essa preocupação. É o excesso dessa paixão. É preciso que não estejamos sempre a viver um Ronaldo coletivo, um “nós somos o melhor do mundo”. “O narcisismo português, para mim, é um narcisismo inocente; ninguém pensa que vai morrer no espelho. Mas às vezes acontece.

Público, 2017

Lingua

A nossa identidade é-nos dada pela língua. O resto é identidade humana, normal, genérica. A identidade no sentido em que a tomamos, como qualquer coisa de particular, uma voz que é só nossa, que escutamos, é dada pela língua. Em segunda instância pela escrita, pela memória escrita. Uma cultura é uma memória, qualquer coisa que se está sempre a reciclar dentro do mesmo.

DNa, Diário de Notícias, 2003

Cultura

Vemos a nossa cultura como um museu e a do outro como uma coisa viva.

Público, 2001

A cultura serve para nos despir de toda a arrogância, particularmente essa que consiste em imaginar que, sendo cultivados, encontramos Deus. A cultura é um exercício de desestruturação, não de acumulação de coisas. É uma constante relativização do nosso desejo, legítimo, de estar em contacto com aquilo que é verdadeiro, belo, bom. É esse exercício de desconfiança, masoquista, de desencantamento. Só para que não caiamos no único pecado, que é verdadeiramente o pecado contra o espírito: o orgulho.

DNa, Diário de Notícias, 2003

Artes

Somos pessoas racionais, animais racionais, se bem que a nossa animalidade seja discutível. Porém, os artistas não criam em função da razão ou do bom senso. Criam em função de um estímulo de qualquer coisa, que os ofusca e interroga. E, se tem uma tradução imagética, essa tradução é a primeira manifestação de arte propriamente dita. A essência da arte é a mimesis. Estamos cercados de objetos e tentamos perceber de que é que eles nos falam. Com exceção da música, as artes são imitativas e nasceram de uma cópia da própria natureza.

Expresso, 2017

A literatura não tem uma função. É um efeito do que somos de mais misterioso, de mais enigmático e ao mesmo tempo de mais ambicioso. Penso que, de todas as artes, a que revela o que a Humanidade é de mais profundo e absoluto é a música. A literatura é uma música um tom abaixo. Não se explica, não é da ordem do conceito como a filosofia. É natural que os homens reservem à literatura a sua maior atenção. A literatura é o nosso discurso fantasmático, absoluto. Todas as culturas se definem pela relação com o seu próprio imaginário. A encarnação dele é a literatura.

Público, 2017

Pensamento

O desejo de conhecimento é o que define o homem, desde Aristóteles. Somos aquele que deseja conhecer, deseja conhecer tudo, deseja conhecer sem fim. Os gregos foram os primeiros a falar dessa libido, desse tonel que nunca seria preenchido, que a sabedoria máxima era ter o conhecimento do que não se sabe.

DNa, Diário de Notícias, 2003

Pensar é um diálogo que temos connosco próprios.

Expresso, 2017

Vida

A própria vida produz sentido sem nos pedir explicações. Não há uma determinação e um projeto concertado de atingir um tal fim ou tal objetivo, ou ter aquilo a que se costuma chamar de carreira, de correr para uma meta específica. Tenho vivido deixando-me surpreender.

Entre Nós, Universidade Aberta, 2002

Em geral, nós somos o discurso dos outros. Nós, por nós próprios, não temos discurso. Não devemos ter. Mas mesmo que quiséssemos ter também não tínhamos. Agora, cada um, no seu relacionamento com o outro tem uma imagem. Culturalmente, no domínio da imagem pública, sou um ensaísta. E já estou crucificado nessa maravilhosa cruz.”…” O que mais me surpreende nos outros: a autenticidade. Cada pessoa é um mundo. Mesmo as pessoas que têm momentos de menos visibilidade e relevo, as pessoas são um mistério a que nunca daremos a volta.

“Podcast “A Beleza das Pequenas Coisas”, Expresso, 2016
Rosa Maria Ferreira

Professora de Filosofia da Escola Secundária D. Maria II

Imagem Por, Jacques-Louis David, “The Death of Socrates” (Metropolitan Museum of Art)

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Pintura do poeta português, Luís de Camões, a ler o poema épico "Os Lusíadas" Previous post Educação Literária e a Vontade de Ler
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