A saudade é intrínseca à ingratidão: roça o limiar da sua definição assim que se impregna no subconsciente e abdicamos do controlo. Expor toda uma alma – ou aquilo que o nosso corpo disponha que não seja também matéria – e sermos trespassados com tal angústia: a sinfonia da dor.
É subvalorizada; como seres que se auto impingem de cegueira, tendemos a moldar-nos sustentados nos breves momentos de êxtase: a utópica (e cobiçada) felicidade. Agarramo-nos a tal ilusão com a crença de que tudo (não) tem para oferecer, mas apresenta-se apenas como um subterfúgio ao real sem escrúpulos: o requisito à construção do “Eu” – nunca (e para sempre semi) acabado: o inteiro é inatingível a qualquer e todo o ser que engula ar.
Sem algo que nos arrebate até à chacina da nossa (in)sanidade, faríamos do mundo físico um local de arrastamento contínuo; um labirinto de caminhos diretos e indecifráveis de almas que jazem mortas: blocos de corpo esculpidos à maneira de quem o quer – faríamos da Morte uma graça.
A dor é necessária; o que sabemos nós sobre desfrutar os momentâneos picos de satisfação espiritual, reduziria-se a um nada, se assim fosse constante: de inusitado, a banal; sem nunca ver o baixo ou o alto, focando a nossa visão somente no campo que nos é conhecido, enquanto atravessamos segura a corda bamba – ela, que nos retira o fôlego como motivo de luta e dá (ainda que não reconheçamos a reciprocidade) a consequente formação do “ser-se”: se este sofrimento não nos fosse atribuído, seríamos todos ocos de nada; instintos de guerra pertencem a pessoas cheias.
Há que quebrar a corda; e quem sente saudade inspira agonia e balouça-se nela, embalado no alívio de que ainda lá está. Porque quando não houver nada de que sentir saudade, extinguir-se-á tudo o que há para sentir.
Por: Maria Martins (Aluna do Secundário)
Obra por, Caspar David Friedrich, “The Monk by the Sea [Der Mönch am Meer]”
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