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Já amanheceu, os raios do sol iluminam todo o meu convés, a tripulação está agitada, sem saber onde nos localizámos, nem que destinos vamos ter. Seguimos navegando em alto mar, ainda ontem saímos do porto de Portugal, e, agora, estamos aqui perdidos no meio do mar. Unicamente podemos contar com a força do nosso maior aliado, o vento. Sem saber o que nos pode acontecer, todos continuam com a frente em alto. Mas a tensão está cada vez mais presente, e o ambiente pode ser cortado com uma faca. A minha espinha arrepia-se constantemente, sinto que uma grande tormenta irá desabar sobre nós. Era só o que nos faltava para melhorar a situação…

Subitamente, o sol desapareceu e tudo foi coberto por um grande manto de nuvens negras. O horizonte começava a ficar coberto por um nevoeiro espesso que tinha aparecido do nada. Os meus marinheiros estavam cada vez mais assustados, conseguia senti-lo. Creio que em parte, é devido à grande tempestade que se aproxima, por outro lado, nunca ninguém foi tão longe quanto nós ambicionamos ir. Não sei se aguentaremos muito mais tempo dentro do barco, pois as ondas balançam-no como se de uma pena se tratasse. O mar está cada vez mais brusco, como se nos tentasse avisar de alguma coisa, ou pior, como se tentasse matar-nos por ter trespassado um limite que nenhum mortal deveria cruzar.

Apesar de tudo o que acreditávamos, alguns dias passaram em relativa calma. Ainda assim, as provisões de comida começam a escassear. Não tínhamos calculado passar tanto tempo dentro do barco. Admito, foi um erro de cálculo completamente meu…

A situação com os meus marinheiros mantinha-se parecida. A falta de comida ainda não é muito sentida, mas em breve irão notar que algo de mau está a acontecer. Tenho que estar preparada para um possível motim

A tormenta? Ainda sem sinais dela, mas também não foi visto nem um raio de sol. Apesar do mar estar mais calmo, não confio na situação em que vivemos. Porém, devo permanecer o mais tranquila possível. Se eu demonstrar alguma fraqueza, vão atacar-me, noto isso em cada olhar que me oferecem, em cada gesto que fazem. Ser o elo mais fraco em um navio cheio de homens grandes e fortes não é uma grande vantagem. Para piorar a situação, sou a capitã, tenho uma posição que necessita de força e onde me devem submissão. O que os pode fazer sentir intimidados ou até mesmo insultados. Não sei se poderei controlar a minha tripulação durante muito mais tempo. Preciso de os fazer respeitar-me…

De repente um vulto saiu de dentro da água, com uma ferocidade e velocidade entorpecentes. Está muito escuro, pelo que não se consegue ver muito bem o que é a criatura, mas parece um polvo. Um enorme e rugoso polvo roxo!

Tem uma altura aproximada a oitenta metros, pois a sua cabeça é quase da mesma altura que o mastil do meu barco. Também consigo concluir que tem mais de 30 metros de largura. Os seus tentáculos saem furiosos de debaixo da água e embatem contra as laterais do meu navio, fazendo com que os meus marinheiros caiam na água e que se abram grandes rasgos no casco. O seu tom de pele arroxeado só é interrompido por um par de olhos tão negros como o profundo mar, cheios de fúria consumida.

Olhando para a envergadura desse monstro e para tudo o que consegue fazer, pensei na morte iminente.

A minha tripulação está a gritar de um lado para o outro, descontrolados, esperando não ser atingidos por algum braço do enorme monstro ou por algum objeto que este possa arremessar. Estou em choque vendo essa situação, não sei como reagir ou o que fazer…

O enorme ser, com os seus grandes tentáculos, agarrou o meu barco e começou a apertá-lo com grande força, fazendo estalar todas as tábuas do convés, e eu estava ali parada, silenciosa.

Tinha que fazer alguma coisa.

Reuni toda a energia do meu corpo na minha garganta e no meu cérebro. Tinha que pensar em algo rapidamente e gritar uma ordem a todos os meus homens ainda mais depressa. Tomei consciência daquele grande perigo, e depois de pensar gritei com uma voz firme e forte: “ABASTEÇAM OS CANHÕES, COMEÇEM A ATIRAR SOBRE A CRIATURA! NÃO PODEMOS DEIXAR QUE DESTRUA O NOSSO BARCO!” Rapidamente começaram a seguir as minhas ordens. A explosão dos canhões oferecia alguma luz para a batalha, ao longe, ouvia-se a chegada da tão esperada tormenta. Com a pouca luz que a batalha oferecia reparei num pequeno detalhe e tive uma ideia. Rapidamente partilhei o meu pensamento com todos os meus homens em forma de ordem: “ATIREM CONTRA OS SEUS OLHOS! SÃO O SEU PONTO FRACO! VAMOS CEGÁ-LO E ACABAR COM ESTA BATALHA SAINDO VITORIOSOS!”

Se não conseguir acabar com esta situação nunca terei o respeito que mereço como capitã.

Pouco tempo depois da minha última ordem reparei que a mesma tinha sido um grande erro. Os meus homens conseguiram acertar várias vezes nos olhos da criatura, cegando-a. Mas isso só a tornou mais furiosa. Atirando os seus tentáculos em todas as direções, sem discriminar. Peguei na minha espada e comecei a correr na direção do enorme monstro. Precisava de começar a tomar uma posição neste assunto. Esquivando as balas de canhão, fiz vários cortes ao corpo principal da criatura. Galeões de um líquido viscoso demasiado espesso e escuro jorrava dos ferimentos. Ao ver as minhas ações, outros marinheiros se juntaram a mim, imitando os meus movimentos, mas nada parecia causar-lhe grande dano. Tinha que ter outra postura, enquanto pensava cortava vários tentáculos do enorme ser furioso. Os gritos de desespero dos que eram atirados à água ou dos que estavam gravemente feridos, não me deixavam pensar com claridade. O que poderia fazer eu?

Começava também eu a sentir uma fúria crescente. Sem conseguir pensar, abalancei-me em direção ao olho ferido da criatura. Retirando a minha espada curta do seu sítio de repouso no meu coldre, encrostei-a no glóbulo ocular daquela coisa. Um grito grotesco fez-se ouvir por todo o lado. A criatura começou a mexer-se mais rapidamente. Eu agarrava com firmeza a minha espada para não cair. Tentei ser mais ágil e forte, segurando a espada curta só com uma mão, agarrei com força na minha longa espada, já toda coberta daquele líquido, começando a apunhalar a criatura. Ajudada pelos meus valerosos marinheiros conseguimos ferir a criatura de tal maneira que a assustamos e esta começou a ser engolida pela água na sua tentativa de fuga. Antes desta se submergir por completo saltei para o convés, a tempo de ver a ponta da cabeça daquele monstro desaparecer no frio e escuro oceano.

A explosão dos canhões cessou, os meus marinheiros deixavam lentamente de gritar e eu começava a conseguir ouvir o som da chuva que caía torrencialmente sem eu ter percebido quando tinha começado. Agora o ambiente era unicamente iluminado pelos esporádicos trovões que faziam a minha coluna arrepiar-se. Toda ou quase toda a minha tripulação estava em silêncio, olhando para a água, apenas tínhamos perdido alguns homens, tendo bastantes tábuas rachadas e o mastil quase a cair. Então fui forçada a decidir que teríamos de voltar para Portugal precipitadamente, antes que o mar nos engolisse por completo.

Tínhamos chegado tão longe, era uma pena…

Quando souberam da notícia, ao contrário de mim, os meus marinheiros pareciam contentes, estávamos a voltar para o nosso querido país natal.

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