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Aida calara-se fazia tempo, o resmungar da avó ocupava agora todos os espaços sonoros da casa. A neta deixara de ripostar. O jantar não estava feito. Todos os dias o cenário repetia-se, a neta, preguiçosa, não dava uma mãozinha que fosse à avó que tanto trabalhava para as sustentar: a ela, a si e ao marido acamado; que se não o estivesse, repreenderia também as ações, ou inações da neta.

Volta e meia a avó dirigia-se ao quarto, a ver como estava a saúde do avô. A rapariga, já de idade adulta e bem para trabalhar, deixava-se deitada no sofá, a ver os passeios da avó cansada e esfomeada. A avó… a avó que não podia, o avô que não conseguia e a desgraçada da neta que não arregaçava as mangas.

A avó era pouco de zangas e irritações, mas de há seis anos para cá a passividade da miúda deixava-lhe os cabelos em pé. Como se ela, mulher feita e no auge da vida, desistisse já de viver. Como se se entregasse à resignação de um dia após outro, enquanto as suas ambições esvoaçam pela janela, ou esvoaçariam, se ela as abrisse.

Trinta anos tinha-os agora, órfã de mãe e abandonada de pai, desde os doze e dos treze, respetivamente. Vivera sempre com a força e os valores que os avós lhe tinham transmitido, enganando até, com a sua vivacidade, a opinião dos que não a conheciam a sua triste história. Mas de há uns tempos para cá perdera o fulgor, esquecera-se do seu alento.

As lágrimas que lhe lavavam agora os olhos, enquanto a avó reclamava com ela, confirmavam a sua fraqueza.

‘Avó!’ Gritou em desespero por cima do discurso castrador da velha senhora, interrompendo-a. A avó calara-se, o silêncio reinou por uns breves e intensos momentos. Aida balbuciou, chorosa e desgastada, desmotivada no seu discurso vão:

‘Avó… a avó já comeu hoje, dei-lhe o jantar há meia hora, o avô já não está connosco, sente-se ao pé de mim, descanse um pouco’

A avó, imobilizada, como se um momento de lucidez a atingisse, olhou a neta com preocupação, seguida de um longo suspiro:

‘Ah, Aida, cada vez me preocupas mais, um dia destes levo-te ao médico, vou deitar-me que são já horas, boa noite’.

Por: Simão Crespo João (Apresentador do Podcast Tenho Media Pa’Isto e Criador do Enso Project)

Imagem Por, Edvard Munch, “Mother and Daughter” (National Museum of Art, Architecture and Design)

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