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Hoje ganhei coragem e calcei os teus sapatos. Sabes, aqueles que estavam guardados dentro da caixa já fazia mais 20 anos. Lembras-te?

Ao abrir a caixa senti uma emoção que não cabia no peito,  o coração disparou…

Mesmo depois de alguns anos passados, é-me difícil gerir estas emoções, principalmente quando mexo nas tuas coisas que agora são minhas.

Sentir que estás ali, descobrir como que por magia um fio do teu cabelo louro. Tocar em algo de ti que agora se transforma em mim…   Meio que a medo toquei-lhes e envolvida de coragem calcei-os! Estás a ver? Calcei-os!! Olha como me ficam bem, como fazem “toilette” como tu dizias… Olho, miro-me ao espelho, vejo-me de vários ângulos e sinto-me bem.

Mas subitamente senti uma dor, algo de tão inexplicável como o dia em que soube que não veria mais o anil dos teus olhos.

Essa é uma tristeza que não se explica, só se sente… apenas acontece em nós.

Sabes, ao calçar estes teus sapatos voltei atrás e revivi as tuas dores, que eram também as minhas . Senti-as ou achava que as sentia porque queria que elas não te atormentassem.

Muitas vezes dou comigo a pensar que nos dias que correm, a azáfama, o corre corre da vida deixa-nos uma incapacidade de vermos e sentirmos os outros… falta-nos compaixão, falta-nos um não sei quê de qualquer coisa que nos faça chegar ao outro lado, ao outro, aos outros.

É verdade que muito se ouve falar de nos pormos na pele dos outros, mas a realidade é que poucos são os que conseguem. Uns por comodismo, outros por egoísmo, uns porque sim, outros porque não… enfim, cada um lá terá as suas razões. Mas sabes, a verdade é que devíamos efetivamente de olhar menos para o nosso umbigo e tentar, nem que fosse só tentar entender muitas vezes o que está do outro lado da barricada.

O mundo passou e ainda passa por momentos desafiantes. Uma tal de pandemia  que nos fez  abrandar, repensar cada passo que damos. E também devia ter mudado mentalidades, mas sabes que a sensação que tenho é que tudo não passou de um raio de sol de muito pouca dura, ele bem tentou brilhar, as janelas bem que se tentaram encher das sete cores do arco-íris, mas aos poucos essas cores foram desmaiando, dando lugar a alguns silêncios ensurdecedores.

Mas eu ainda tenho uma réstia de esperança que os homens queiram aprender lições, que queiram abrir portas e janelas e deixar entrar o sol pela casa dentro. Que queiram aprender de novo a dar um nome às estações do ano, que queiram de novo saber as cores do arco-íris, que queiram saber fazer de novo aviões de papel.

E que queiram abrir a caixa de sapatos guardada dentro do seu coração e calçar os sapatos que nunca antes calçaram… sem medos, sem vergonhas, sem receios e deixar a vida acontecer!

Por: Sandra Monteiro (Autora, Atriz Amadora no Teatro Contra Senso e Criadora do Bluestrass)
Imagem Por, Vincent Van Gogh, “Shoes” (Metropolitan Museum of Art)

4 thoughts on “Calcei os teus sapatos

  1. Tão bonito o texto, tão cheio de emoções, de saudades e vontades. Muitos parabéns por palavras vindas de tão dentro de ti. Caixa a caixa, janela a janela, porta a porta vamos deixar a vida acontecer. Bjsss

    1. Sem dúvida, foi uma maravilhosa obra escrita pela Sandra Monteiro e felizmente podemos dizer que haverão mais obras publicadas 🙂

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