O momento em que decaímos é o mais improvável de todos. Como se perdêssemos as forças, – mas não só as físicas, as psicológicas também (e temo dizer que, essas, são as mais desastrosas).
É como se o mundo, como um paraquedas que se abre a x metros do solo num espaço de tempo impossível de calcular, em vez de nos salvar, nos destruísse – por completo!
Ela não bate à porta, não pede licença e muito menos pensa em preocupar-se com os danos que causará. E é utópico controlar essa vontade absurda de a fazer desvanecer num súbito tão imprevisível como aquele que a fez chegar.
Com as mãos suadas sem razão aparente, tento transcrever para o papel os descalabros causados por esta aparição paranormal. Mas, rapidamente, todo o meu corpo carrega um peso que sou incapaz de dizer ou pensar. Como se todas as palavras que até então estiveram presas na minha garganta, – no momento em que seguro a caneta com um aperto firme – descessem pela traqueia e fizessem um nó no estômago.
Largo a caneta com tanta prontidão como aquela que me faz correr até à casa de banho, debruçar-me sobre a sanita e vomitar. Sinto a espinha arrepiar-se-me, o tronco ficar tão rijo quanto um pau de vassoura, as mãos agarrarem-se às bordas da retrete. Depois disso, só sinto as lágrimas escorrerem-me pelas maçãs do rosto avermelhadas.
Podereis pensar que depois do sucedido todo o declínio passado simplesmente se esvai. Pois, aí, estão muito enganados! É como se ele te consumisse mais e mais, dia após dia, semana após semana, – até ao dia em que te vês enroscada nos cobertores, apavorada com aquilo que poderá acontecer se, por alguma ocasião imprevista, fosses obrigada a levantar-te e encarar a realidade.
Viver na zona de conforto também se torna algo recorrente, criar uma rotina tão adaptada que te faz abrir os olhos com todo um roteiro memorizado e pronto em mãos. As horas fixas, as tarefas previamente planeadas, os tópicos de conversa totalmente estudados antes mesmo de iniciar um diálogo. A tua decadência faz-te, a partir de um certo milésimo de segundo, não te querer livrar dela nunca mais – e, esse, é o pico mais grave que ela pode atingir.
Porque depois do costume, vem a morte.
E, muitas vezes, esta também tem roteiro e é planeada bem antes de surgir.
Gabriela Meireles
Escritora e Autora de textos como, “Decadência” “Dias Quentes, Cheios de Amor” “Monólogos Durante Madrugadas” e “Amor em Abstinência“
Fotografia Por, John Robert Parsons, “Jane Morris, née Burden”
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