Ando perdida e, logicamente, sem qualquer direção. Não se trata da poetização da dor ou da intenção de encontrar uma razão, trata-se da constatação de algo ao qual não tenho conseguido escapar. Percorro as ruas sem receio de me perder, os dias sem a ânsia de sentir o medo porque não há nada de novo que possa surgir. Não me atraem as ideias, não me atraem as conversas, não me atrai a atração porque já fui traída pela ilusória sensação de querer algo só pelo desejo de sentir satisfação. Não há dia que seja diferente, porém não há hora que seja igual. As palavras dos outros soam a brisa de vento que simplesmente me passa pela face sem suscitar uma única expressão. Não é que não ame, não é que não chore, não é que a solidão me consuma, é que o músculo perdeu a capacidade de reflexo e eu não acredito no treino.
As palavras que se ouvem não são as mesmas que se entendem e se nem as minhas me movem, quanto mais as de alguém? O discurso estendido pelos largos braços dos minutos que levo à conversa com um amigo, não é mais do que um conjunto de palavras que não consigo compreender apesar de saber o seu significado, porque já não se trata da razão, já não se trata da semântica, já se trata da emoção e do que ela vai implicando na minha vida aborrecida.
Não acredito em metade do que digo, mas vou dizendo porque não há outra maneira. Não há outra maneira de viver, de socializar, de querer, de existir e eu não sou capaz de encontrar a diferença. Já não se trata de mais nada nem de mais ninguém, já só se trata de mim e eu não me reinvento. Já não escrevo alguém novo. Já escrevo alguém que tão intimamente ignoro. E a arte não acaba quando não conheço, a arte acaba quando já nenhuma esquina me é nova, quando já nenhum olhar me vê.
Imagem Por, Edgar Degas, “In a café/L’Absinthe” (Musée d’Orsay)
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