|| ◷ Tempo de leitura: 3 Minutos ||

És uma de coleção de aromas, sabes?

Cheirei-te ao acordar quando abri a janela daquele que, outrora, foi o nosso quarto, para que o sol pudesse beijar-me o corpo seminu.

Cheiravas a primavera e a flores do campo e os teus beijos eram uma sinfonia para todos os meus sentidos. Deixei o sol entrar e fiquei a olhar a paisagem que se desenhava à minha frente, tinha a tua cor: o verde dos teus olhos, o vermelho dos teus lábios e todas as cores do arco-íris do teu corpo perfeito.

Dizem que o sol é alquimista, que consegue transformar tudo o que toca em ouro, por isso deixei que me tocasse. Por momentos senti as tuas mãos na minha pele, o toque suave dos teus dedos a percorrerem-me o corpo, o teu tronco nu contra o meu, o teu peito em suaves ondulações numa dança respiratória que adivinhava aquela dança tão nossa.

Fazes-me falta, sabes?

Fiz a nossa cama e cheirei-te, novamente. Cheiravas a baunilha e chocolate, a fragrância intemporal dos amantes. Tomei a tua almofada nos braços e senti-lhe o aroma uma e outra vez, tinha o teu cheiro. Cheirava a luxuria, prazer e paixão, o nosso cheiro, aquele que nos seguia até ao banho e que permaneceu até hoje na minha memória olfativa.

Cheirei-te ao pequeno-almoço. Cheiravas a café e sumo de laranja, aquele que derramavas no meu corpo para depois beberes em suaves tragos para nunca perderes o sabor.

Cheirei-te ao espelho da casa de banho enquanto te barbeavas. Cheiravas a couro, madeira e aventura, o aftershave da tua marca preferida, aquele que te ofereci por altura do teu aniversário.

E fazes-me falta, sabes?

Cheirei-te na varanda quando fui fechar as janelas. Cheiravas a Mallboro, aquele cheiro inconfundível que se impregnava na tua pele depois de fumares o teu cigarro matinal – um aroma de fazer corar de inveja qualquer bom perfumista conceituado – porque qualquer cheiro que se te pegava era uma delícia para o meu olfato.

Cheirei-te no quiosque do Sr. António, quando fui comprar a minha revista semanal. Cheiravas ao jornal desportivo que compravas todos os dias e sem o qual eras incapaz de ir trabalhar, porque a bola fazia parte da tua vida e as notícias eram a tua paixão.

Cheirei-te ontem, cheiro-te hoje e cheirar-te-ei amanhã, na confeitaria da esquina, em qualquer divisão da casa, no elevador do nosso prédio, no restaurante da baixa do Porto, nos semáforos do cruzamento para a terra dos sonhos. Porque o teu cheiro é inconfundível, porque mesmo sem te cheirar eu cheiro-te e cheiro-te em cada lembrança, em cada memória, em cada tempo, em cada história.

Porque tu és uma coleção de aromas, sabes?

E fazes-me muita falta.

Maria Elisabete Pinho

Escritora e Autora deste conto “És uma Coleção de Aromas, Sabes?

Imagem Por, Minas Halaj, “Flower Power #1

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Imagem do Michael Sowa, “Rather Read” que representa o espírito literário, da biblioterapia e do trauma Previous post Biblioterapia: O Caminho Para Ultrapassar Traumas Através dos Livros
Pintura de Pablo Picasso, “Man in blue” que representa as lágrimas/chorar de amor Next post As Lágrimas do Amor