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Atrás da colina havia uma grande casa alaranjada com a fachada coberta de heras de muitas tonalidades de verde. Ela sempre gostou daquela casa, sempre teve vontade de lá entrar e de conhecer quem lá vivia. Estranhamente, e apesar do aspeto sempre cuidado da mansão, nunca avistara ninguém à janela, ou na porta de entrada, ou no belo patamar. Ninguém! Nunca encontrou nem uma só alma a entrar ou a sair dali. Mas, ao anoitecer, via-se luz através das janelas, sentia-se o aroma dos cozinhados e havia fumo a sair das três chaminés. Alguém vivia naquela casa, isso era certo! Mas quem seria?

Era ele. Um homem bonito e soturno. Um homem sozinho, preocupado, inquieto. Havia algo que o incomodava profundamente: ele não conseguia chorar! Não chorava nunca, nem mesmo quando o coração se enchia de dor. Por isso, estava decidido a não sair de casa… um homem que não sente é um homem que não merece viver cá fora, no mundo. Contudo, durante a noite, ele aventurava-se pelos caminhos mais feios da Vida em busca de sentimentos negativos tão fortes que o obrigassem a verter pelo menos uma lágrima. Chorar era o que ele mais queria, era o que ele mais precisava, e estava convicto de que aquela era a forma de o conseguir. Podemos imaginar algumas das situações desesperantes que procurou; outras, de tão grotescas, nem nos passam pela cabeça… Mas nenhuma situação o fez chorar! Que espécie de homem era ele? Estaria assim tão oco?

Uma noite, algo aconteceu. Ela, vendo as luzes acesas e as chaminés a fumegar, embalada no fascínio pela casa alaranjada, decidiu bater à porta. Nesse instante, tudo pareceu congelar; as heras deixaram de se agitar com o vento, e o fumo que saía das chaminés desaparecera. O homem abriu a porta bem devagar, com receio, e ela apresentou-se. Disse-lhe o que achava daquela casa, falou-lhe da sua curiosidade, pediu desculpa pelo incómodo e despediu-se envergonhada. Ele quase não falou, mas, desiludido com a sua capacidade de anfitrião, resolveu convidá-la a voltar no dia seguinte; ele mostrar-lhe-ia a casa.

Assim foi. Ela voltou no dia seguinte, e no dia depois desse, e passou a ir todos os dias da semana. Ficava feliz sempre que ele renovava o convite. E ele também ficava, apesar da exaustão causada pela contínua procura noturna pela capacidade de chorar.

Os encontros foram continuando e, num final de tarde de outono, junto à parede das heras verdes, ela sorriu-lhe e beijo-o, fazendo-se depois ao caminho, sem olhar para trás. O homem sem lágrimas, imóvel, sentiu qualquer coisa de bastante diferente, a sua visão ficou turva, as pernas tremiam, o calor invadiu-lhe o rosto que se fez escarlate. Levou as mãos à face e sentiu-as húmidas. Estava a chorar!

No próximo encontro, assim que ela chegou, o homem convidou-a a passar a noite na casa alaranjada das heras verdes. Graças a ela, ele já não tinha de sair; percebeu que o amor pode ser a emoção mais poderosa de todas.

Daniela Rosa e Lourenço

Autora do livro “A Estrela do Céu que queria ser Estrela do Mar“ e Escritora do conto “O Rosto da Tristeza

Imagem Por, Pablo Picasso, “Man in blue” (Musée Picasso)

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