Podem explicar-me uma dezena de vezes. Nunca vou perceber, exactamente, como é que a Natureza faz isto. Num momento somos duas partes isoladas, a viver em corpos diferentes, e no outro somos um ser por inteiro. Complexo. Perfeito. Milhares de milhões de células começam a crescer, organizadas, sábias na sua função. Não estamos ainda perto de nos parecermos com pessoas e o nosso coração já bate.
Já ouviram o bater do coração de um embrião? Quem já ouviu o bater do coração de um embrião jamais voltou a ser o mesmo. Uma vida a ser gerada dentro de outra vida. Um milagre. Gerar uma vida é um verdadeiro milagre.
Não é magnífico? Ainda antes de pés e pernas e mãos se começarem a parecer com os pés, as pernas e as mãos que conhecemos, já o coração bate e com ele bate o coração de quem já tendo sido duas partes separadas, só então percebe o milagre que a sua própria vida é.
Semana após semana, o que seremos um dia ganha forma. Memórias que não são nossas, traços e características que chegaram com as duas partes de que somos feitos. Herdamos tanto de quem veio antes de nós, muitos deles não chegaremos a conhecer e o nosso corpo sabe o que nós nunca saberemos.
Do casulo seguro e quente, gerador de um milagre que nos deslumbra por mais que se repita, saímos para conhecer a luz, descobrir os cheiros. Somos capazes de emitir sons, somos capazes de esticar as pernas, de mexer livremente os braços. O que será que pensamos? O que será que sentimos? Não seria magnífico se pudéssemos voltar a esse momento e perceber o que pensamentos e sensações nos invadiram o corpo? Esse corpo que não chega ainda a meio metro e já vem tão cheio de tudo.
Com sorte, espera-nos o colo que nos irá amparar à passagem do tempo. O colo que nos irá fazer sentir, sempre que for preciso, que nunca saímos do casulo. Seguro e quente. Teremos de lidar com o preço da liberdade. A liberdade de poder mexer os braços e as pernas livremente. De conhecer a luz e descobrir os cheiros. Dependemos dos que vieram antes de nós para assegurar que as estruturas e os sistemas que nos compõem não terão falhas, mas dependeremos também muito de nós, para potenciar tudo o que de bom ganhámos de herança.
Será o início de uma nova história. Irrepetível, inigualável.
O mundo muda, de cada vez que um novo choro se faz ouvir. A esperança renova-se. O amor multiplica-se. O milagre cumpre-se, mais uma vez. Como se fosse a primeira.
Imagem Por, John Singer Sargent, “Carnation, Lily, Lily, Rose”
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