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Conta-me. Conta-me outra vez a história do cavaleiro e da espada. Diz-me outra vez que ele salvou a princesa dos maus da fita e que viveram felizes para sempre. Conta-me que viveram num castelo dourado e que o céu à noite brilhava, com as constelações mais bonitas. Revela-me, com aquele tom que me faz sentir que a vida é somente beleza e coisas boas, que eles tiveram rapazinhos de olhos doces e meninas de vestidos de tule e fitas de purpurinas no cabelo.

Não imaginas como preciso de acreditar que os contos de fadas são verdade, ainda que saiba que o seu lugar permanecerá para sempre no reino da fantasia. As tradições ancestrais são o reforço do meu dia-a-dia macerado que precisa de ser mudado, para que eu própria ainda me iluda que é possível vencer, de vez em quando.

Quando entro no banho com a água a ferver, tentando lavar as mágoas, quando o vapor ensopa a casa-de-banho e esconde no espelho o reflexo de quem sou. Quando o prato na mesa para jantar sozinha sabe a solidão, mas também a reflexões que ditam que os caminhos que não se cruzam hoje, podem cruzar-se amanhã e que por isso tudo se resume ao conceito de empatia, é quando mais preciso de o ouvir.

Conta-me, por favor, mesmo que seja só mais uma vez, que o cavaleiro salvou a princesa, que a beijou e declarou o seu amor. Conta-me que os Nenucos que em pequena eu tinha no quarto, que as Barbies que vesti tantas vezes para dançarem no baile, são as personagens dessa lenda tão antiga que passou de geração em geração e que hoje serve de bálsamo à minha alma.

Não me digas que nessa luta o cavaleiro matou outros homens, não me contes que houve sangue à mistura e que a princesa discutiu com ele porque ele não a ajudou nas tarefas domésticas. Hoje, quero apenas a parte da fantasia, a parte do conforto, a parte das juras de amor e do amor em si. Dizem que o amor cura tudo e hoje (só por hoje!) ao ouvir-te contar-me mais uma vez essa história, quero acreditar que é verdade.

Quero chegar a casa, trocar de roupa, saborear uma refeição quente com direito a sobremesa no fim, abrir uma garrafa de vinho e disfrutar. Disfrutar do tempo que ainda tenho e saber, de peito cheio, que a vida é agora e que nunca sabemos quantas voltas completas ao relógio vai durar. Quero fechar a sete chaves a mochila onde cabem os preconceitos, os gritos, os diferentes pontos de vista que, apesar de tão necessários, põem em causa o respeito que não temos uns pelos outros, querendo sempre sobressair.

Então, conta-me. Conta-me outra vez a forma heróica como o cavaleiro empunhou a sua espada e salvou a princesa de todo o mal do mundo. Quero adormecer a ouvir a tua voz, a ler cada página, quase sem olhar por já saberes cada frase de cor. Quero adormecer e sonhar que, um dia, só Deus sabe quando, também eu serei princesa e haverá um cavaleiro para me salvar deste mundo de loucos em que vivemos sem, de facto, viver.

Por: Nádia Carnide Pimenta (Escritora e Autora das obras, “Da Ponte P’ra Cá” e “Diamante do Sul”)

Imagem, Diego Rivera, “Young Man with a Fountain Pen” (Museo Dolores Olmedo)

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