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Ele era um homem profundo e absorvente. Num sopro apenas, tudo aquilo que para nós, comuns mortais, é apenas um rasgo de vida ou de morte, uma bola de ar ou de água, uma árvore ou um pássaro, era para ele um universo, uma atmosfera ou um oceano, uma floresta ou um hemisfério de espécies e de entidades.

Quatro paredes de um quarto resguardado são apenas matéria, mas para ele eram teatros da existência, cenários de metragens infinitas, bordados de eras após eras.

Tinha fé absoluta em todos nós. Pensamentos leves como uma pena em que nos observava a todos de um modo que, para cada um de nós, pareceria uma enxurrada violenta de quarenta dias e quarenta noites, como se janelas celestiais se abrissem numa só frase.

O seu sonho de todo o sempre era o de ver todo o sempre num só segundo. De viajar nas entrelinhas dos sentidos e dos sentimentos, para um ponto quase inexistente onde todos os tempos se conjugam e onde se pode ver um quadro de outro momento longínquo.

Meditou sozinho durante muitos anos, num caminho através da mente, para atingir o passado. Muitos anos de trabalho intenso e invisível. Muitos anos de privação e sacrifício. Muitos anos de alimentos etéreos e respiração vaga.

Após muitos anos que não saberia sequer contar, conseguiu levantar-se e entrar num quarto resguardado onde um homem só meditava impassível e imperturbável. Para seu gáudio, o homem apercebeu-se de que estava a olhar para si próprio e que, pelo tamanho do cabelo e das unhas, estava a olhar para si próprio num momento passado, talvez até alguns meses antes.

Após alguma ponderação, o homem decidiu que o melhor curso de acção, de aqui para a frente, seria o de se sentar junto ao si mesmo naquele momento passado, pois, agora mais sábio, talvez conseguisse, a partir daqui, viajar ainda mais fundo nos tempos. Sentou-se e meditou durante vários anos.

Quando se conseguiu levantar, entrou noutro quarto, onde um homem que era ele mais jovem e inexperiente, meditava tentando alcançar o passado. Sentou-se junto dele e meditou mais. Conseguiu levantar-se várias vezes e meditar junto a si próprio cada vez mais longe e mais seguro de si.

Por fim, conseguiu levantar-se e entrar noutro quarto, onde encontrou uma criança a dormir, que reconheceu com entusiasmo ser ele próprio num tempo muito antigo. Conseguiu perceber que este era o momento em que sonhara aquele sonho estranho e revelador, que lhe tinha dado o propósito de viajar no passado e lhe tinha proposto o caminho de submergir no interior.

Com o poder profundo da sua mente, o homem entrou no sonho e descobriu um bébé muito novo que percebeu sem dificuldade ser ele próprio, envolto em placenta e calor materno.

Após um momento, sentiu que ia nascer e abriu os olhos com urgência e acordou no quarto resguardado, saído da meditação, muito velho e profundo, muito despojado e muito vazio.

Respirou um sopro que levantaria um balão para o topo da atmosfera.

E sentiu que ia morrer…

Por: Bruno Martins Soares (Escritor e autor das seguintes obras: “Shark-Killer”, “Mission in the Dark”, “Laura and the Shadow King” entre outras)

Imagem Por, Edgar Degas, “The Collector of Prints” (Metropolitan Museum of Art)

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