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Muitas vezes diz-se que os filhos não vêm com manual de instruções e, acrescentaria, que nenhuma pessoa nasce a saber ser pai (pai/mãe/cuidador de uma criança). Contudo, é algo que se pode aprender! Não se aprende lendo ou estudando, aprende-se sentindo (e estando na relação), tentando e errando, acertando e ajustando. É uma mudança e aprendizagem contínua que não deve ter como objetivo final a perfeição, mas sim, o fazer-se o melhor que se pode/consegue fazer.

Não existem pais perfeitos, e ainda bem! Porque o pai perfeito rouba ao filho a possibilidade de ser ele próprio, a possibilidade de sentir necessidade, de se frustrar e de se mover para conseguir algo (que tem logo à conta da perfeição imperfeita do pai).

Hoje em dia é difícil ser pai. Os pais de hoje são expostos a teorias da parentalidade, às chamadas Mummy Influencers (mães influencers/influenciadores de parentalidade) e a “dicas”, quase dogmáticas (sentidas como tal, apesar de muitas vezes não surgirem com esse objetivo), do que se deve ou não fazer com os filhos, criando o medo do que poderemos causar na sua personalidade, caso o façamos de forma diferente. Todo este conteúdo, que surge com a intenção de ajudar, só desajuda, assusta e culpabiliza os pais que, na sua ansiedade – natural e até certo ponto saudável – de não errar com o filho, e de serem bons pais, absorvem muita dessa informação. Muitas vezes, esta informação é contraditória e sem base empírica válida – e o “fiz isto com o meu filho e resultou” não é válido) que, na intenção de não errar, já o estão a fazer. Ninguém conhece melhor o filho que o próprio pai! Prova disso é uma mãe envolta no seu papel de cuidadora durante os primeiros meses do seu filho. Com certeza que já observou (ou até mesmo viveu) que essa mãe (e o pai também, mas aqui a mãe tem um papel mais especial) vai, com o tempo, conseguindo perceber o choro do seu bebé, perceber as suas rotinas, se tem a fralda suja, se tem fome, se quer mamar mais ou não. Apenas o percebe. É este sentir o filho, sentir e estar em relação com ele, que realmente importa. Um pai atento e capaz de sentir filho, os seus ritmos, as suas mudanças, tem meio caminho andando para conseguir ter uma atitude parental saudável.

A influência e conhecimento de outros que são, ou foram, pais é importante, mas não deve ser pela experiência dos outros que deveremos nortear o nosso papel parental, mas sim pela experiência que nós próprios estamos a construir com o nosso filho.

Para que servem os pais?

Segundo um ditado judaico “Deus não pode estar em todos os lugares e por isso fez as mães”, ou pais, substituiria eu, estando-me a referir a mães/pais e mesmo outros cuidadores. De facto, o papel parental é de grande importância para o desenvolvimento e sobrevivência da criança, uma vez que esta nasce menos preparada para a vida, comparativamente com outras espécies. Neste sentido, a diferença que existe entre o comportamento adulto e o comportamento infantil é, na espécie humana, mais marcada do que a diferença que se observa em qualquer outra espécie animal. Os animais mostram, desde cedo, comportamentos de maior independência face aos progenitores, procurando, de forma autónoma, a satisfação das suas necessidades biológicas. O bebé humano, pelo contrário, devido à sua prematuridade fisiológica e à grande imaturidade do sistema nervoso central à nascença, vai confrontar-se com o mundo através de um equipamento (ainda) insuficiente para se adaptar ativamente ao meio que o rodeia. Cabe aos pais (ou aos seus substitutos) um papel ativo e de auxílio desde o início da vida tendo, por isso, influência no processo de crescimento e aprendizagem do bebé.

Muitos autores, que se têm debruçado sobre o estudo da infância, e das relações que se estabelecem neste período da vida, consideram que a relação com a mãe – note-se que o papel da mãe é mais estudado, mas que por isso não se desvaloriza o papel do pai; quando se fala de mãe, fala-se principalmente de uma função materna, do que propriamente de uma mulher-mãe – durante o primeiro ano de vida é marcante para o futuro comportamento social da criança, sendo esta relação primária que vai orientar e modelar o “estilo relacional” (a forma como nos posicionamos e relacionamos com os outros e os pensamos) de cada indivíduo. A mãe (ou o cuidador substituto) deve manter uma presença constante e a qualidade, quer do contacto e interesse que mostra face à criança, quer da resposta às suas necessidades, constituindo um suporte necessário ao seu crescimento harmonioso.

O bebé nasce preparado para a relação, e a procura dessa relação começa logo no instante em que nasce. Todo o contacto físico e emocional que a criança recebe e sente desde o nascimento (e que provém principalmente da mãe), irá ter repercussões na organização da relação primária, e na qualidade desta, integrando experiências boas e más. Devido à grande capacidade da memória, resultante da complexidade arquitetónica da rede neuronal do ser humano, este contacto deixará marcas (ou carências) que dificilmente serão apagadas no desenvolvimento futuro, tendo uma importante repercussão emocional na experiência vivida. Nesta linha, as experiências menos boas resultantes, por exemplo, de um relacionamento difícil e conflitual, irão deixar uma ferida narcísica ou um vazio que terá a sua influência ao longo do desenvolvimento.

À medida que a criança cresce, as suas capacidades e necessidades mudam. Como tal, os pais devem também adaptar as suas estratégias e formas de cuidado, sendo necessário que estejam atentos às mudanças e evoluções do filho, algo que pode parecer difícil, pois não se ensina, sente-se, mas que, estando atento ao seu filho, será capaz de ir percebendo as suas mudanças.

O cérebro da criança está em constante desenvolvimento. Enquanto que existem funções cerebrais que maturam com o tempo (como é o caso da visão e da audição), outras áreas apenas serão estruturadas através da experiência que a criança irá ter. Falo do Lobo Frontal, área responsável por programar, verificar e regular – funções essenciais para que o ser humano consiga viver de forma saudável e adaptada na sociedade. Como referi, essa área estrutura-se pela experiência, pela forma como os pais educam os filhos, pela forma como os orientam e pelas exigências que a sociedade e a cultura vão impondo à criança. Por exemplo: eu sou capaz de estar sentado em frente do meu computador a escrever este artigo porque ao longo da minha vida foi-me exigido que fizesse tarefas deste tipo (saber escrever, estar sentado, concentrado, pensar no que quero escrever, organizar um texto, etc.). O leitor, é capaz de estar sentado, atento, a ler este artigo porque, de igual forma, foi-lhe exigido desenvolver uma série de habilidades que lhe permitem agora realizar esta tarefa (saber ler, estar concentrado, ir pensando no que lê, associar ideias, etc.). O cérebro é o único órgão do nosso corpo que se transforma para fazer aquilo que lhe pedimos e, como tal, somos transformados para conseguirmos fazer o que neste momento precisamos de fazer.

Cabe então aos pais uma postura atenta e orientadora do comportamento da criança. Pode parecer difícil e exigente – e de facto é – mas esse treino vai-se fazendo ao longo da vida sem que muitas vezes tenhamos ideia de que ele está a acontecer. Algo que parece banal como ralhar com a criança que está a fazer uma birra no supermercado, porque quer que lhe comprem um chocolate, já está em muito a ajudar a criança a estruturar o seu cérebro.

Relação com quantidade ou de qualidade?

É muito comum a ideia de que os pais devem passar mais tempo com os filhos, contudo, mais importante do que a quantidade de tempo que se está com o filho, é a qualidade desse tempo. Muitas vezes os pais, nas suas vidas preenchidas de trabalho e outras responsabilidades, lamentam – ou são alertados por outros – não conseguir estar tanto tempo com os filhos, temendo que isso possa vir a afetar o desenvolvimento do próprio filho e mesmo a relação que têm. Estes pais deverão mudar a sua forma de pensar uma vez que a qualidade do tempo que passam com o filho é, em muito, mais importante do que a quantidade dele.

O ingrediente principal da qualidade de tempo é a disponibilidade, por isso queira reservar um tempo diário para o seu filho em que só está dedicado a ele, sem estar preocupado e fazer outras coisas (a cozinhar, a ver televisão, a responder a emails, ao telemóvel, em redes sociais, etc.). Se conseguir, nem que sejam 15 minutos, de um tempo com essa qualidade, estará a contribuir para o desenvolvimento cerebral do seu filho (em constante desenvolvimento) para além da qualidade da relação dos dois. Claro que pode ir interagindo com o seu filho quando está ocupado/a com outras tarefas, mas do ponto de vista do seu desenvolvimento cerebral, um tempo de qualidade, em que está totalmente disponível para o seu filho e responsivo/a às suas iniciativas e temas/acontecimentos tem um grande peso.

Como aproveitar o tempo?

Apesar do ingrediente principal da qualidade de tempo – a disponibilidade – ser o mesmo ao longo de toda relação com o seu filho (e no fundo, em qualquer outra relação), o avançar do tempo, o crescimento e desenvolvimento do seu filho vai fazer com que seja necessário ir mudando, adaptando e utilizando outros ingredientes.

No primeiro ano de vida a interação com a criança passa muito pelo imitar os seus sons em resposta à sua iniciativa de os fazer, mas à medida que a criança cresce, que se desenvolve fisicamente permitindo a exploração do espaço que a rodeia, e vai conseguindo articular as primeiras palavras, para depois conversar, o reportório de formas de interagir com ele aumenta.

Assim que a criança consiga conversar, é importante que os pais criem momentos de diálogo familiar (à mesa durante a refeição, na sala numa determinada altura do dia, etc.), onde incentivem a criança a falar, por exemplo, acerca do seu dia. Evite fazer perguntas de resposta fechada em que a criança apenas possa responder “sim” ou “não”. Pergunte-lhe como correu o dia, o que fez, o que gostou mais, o que gostou menos, o que a deixou preocupada, como brincou, etc. e caso a criança tenha dificuldade em se exprimir, não desista de obter uma resposta satisfatória da criança. Ao invés, ajude-a a conseguir dar uma resposta fazendo perguntas mais simples (por exemplo, se a criança não conseguir responder logo como lhe correu o dia, pergunte sobre um momento do dia em específico). O importante é que haja diálogo e que a criança desenvolva essa capacidade.

A criança será capaz de se adaptar ao meio e superar os desafios deste se o ajudar a desenvolver o seu cérebro. Incentivá-lo a dialogar é uma das formas de o fazer. Muitos psicólogos e investigadores da área das neurociências mostraram que a linguagem é uma função que desenvolve o cérebro, e sabemos que um cérebro devidamente desenvolvido é essencial para lidar com as adversidades que podem surgir no decurso normal da vida. Uma outra forma de ajudar o cérebro da criança a estruturar-se é envolvê-la em rotinas que tenham um caráter organizador. Defina tarefas que ela possa fazer e que se torne responsável pela sua execução, como por exemplo fazer a cama, pôr a mesa e preparar a mochila da escola. Para qualquer uma das tarefas é necessário que a ensine a fazer, e para isso tem que lhe mostrar como se faz, verbalizando os passos necessários. Faça a tarefa em conjunto com a criança quantas vezes forem necessárias até que ela consiga fazer sozinha e bem. Não pense que será fácil para a criança adquirir essa nova aprendizagem por isso, seja paciente e ajude-a, com certeza que com a sua correta orientação ela será capaz de o fazer sozinha (lembre-se que tudo o que agora fazemos sozinhos, antes fizemos acompanhados).

Para muitos pais as principais dificuldades na relação com os filhos surgem na adolescência. É um período de insegurança para os pais, e difícil de gerir para o próprio adolescente, mas é também uma importante fase do desenvolvimento em que ocorre uma grande e rápida mudança no cérebro, que é acompanhada por alterações hormonais. Estas alterações tornam o cérebro sensível às novas experiências a que o adolescente vai sendo exposto no seu dia-a-dia, principalmente aquelas que implicam a satisfação imediata da sua vontade.

O adolescente é então “abalroado” por uma série de informação aliciante do mundo que o rodeia (experiências sociais, emocionais, modas, consumos, etc.), sendo muito difícil para ele controlar as emoções face a esta quantidade de informação e novas oportunidades de experiências a que vai sendo exposto.

O seu cérebro, ainda em desenvolvimento, não está capaz de regular e controlar essas experiências emocionais e impulsos, e por isso associa-se muitas vezes a adolescência a comportamentos impulsivos e fases de elevada emoção, sem que o adolescente seja capaz de regular este aumento, que vão de algum modo afetar a dinâmica familiar.

Mas, como já referido, o cérebro não se desenvolve nem se estrutura sozinho, e por isso os pais não podem apenas esperar que esta fase passe, com a crença de que tudo vai melhorar depois (se optarem por esta estratégia, não vai melhorar, mas com certeza piorar). Os pais devem procurar manter um ambiente saudável de diálogo com o filho, ainda que este não esteja interessado em ouvir a opinião dos pais, mostrando-lhes que, apesar dos seus movimentos de autonomização – esperados nesta fase –, eles se mantêm-se presentes e disponíveis para eles.

Nota final

O papel parental é um papel para a vida. É exigente, dá trabalho, frusta, mas o resultado, ainda que não tenha que ser perfeito, pode vir a ser gratificante. Pais atentos e presentes conseguem acompanhar o desenvolvimento do seu filho. Conseguem notar as suas mudanças, as suas necessidades e mesmo as suas dificuldades, podendo agir de modo a ajudá-los a superá-las. Contudo, algumas vezes, perante essas dificuldades, a ajuda de que as crianças precisam não pode ser dada pelos pais (limitados no seu saber técnico/científico), mas sim de algum profissional que possa auxiliar os seus filhos a desenvolver-se de forma saudável, orientando também os pais para que consigam desempenhar o seu papel parental de melhor forma. Pedir ajuda não é um sinal de fraqueza, de incapacidade ou de falha. Pelo contrário! Conseguir assumir a necessidade de procurar ajuda para fazer melhor é um sinal de força.

Por: Manuel Romão (Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta Psicanalítico em formação)


Obra Por, Almeida Júnior, “Scene of Adolfo Pinto’s Family

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