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O cérebro humano é adaptável e capaz de se ajustar a novas situações, incluindo recomeços.

Os períodos de mudanças e desafios podem-nos estimular, promovendo crescimento e aprendizagem.

Não é à toa que pessoas escolhem momentos que propiciam uma sensação de recomeço quando desejam transformações. Aproveitamo-nos destes momentos porque sentimos que nos foi dada uma nova oportunidade.

Em vez de percebermos o tempo como um “continuum”, tendemos a ver a nossa vida em episódios ou temporadas, criando pontes narrativas entre acontecimentos importantes.

Aproveitemos, portanto, o presente momento para pensarmos nas nossas resoluções de Ano Novo.

O novo ano parece uma tábua rasa, mas há um problema crucial: tábuas rasas raramente existem na vida adulta. Quase todos os comportamentos que desejamos mudar são diários, habituais e estão enraizados nas nossas rotinas.

As mudanças são graduais e para se concretizarem precisam, além da chama da vontade da “festa da passagem de ano”, de um fator essencial ao longo do ano: a autodisciplina.

O problema é que a motivação e a autodisciplina não estão associadas às mesmas partes do cérebro e isso faz com que planeemos muitas coisas no início do ano, mas que nem sempre consigamos persistir ao longo do tempo com o mesmo sucesso.

A “batalha” entre motivação e disciplina pode ser representada pela presença de duas tias na festa de Ano Novo, a quem chamaremos de Sra. Motivação e Sra. Autodisciplina.

  • A motivação é aquela tia animada que chega na festa de Ano Novo e enche o salão, inspira e afirma que tudo correrá bem. A presença da tia Motivação na noite de Ano Novo pode ser tão forte que nos energiza por meses.
  • A Autodisciplina, porém, apesar de ser uma tia não tão exuberante, é tão importante quanto a outra. Ela é discreta, constante, incansável e observadora. Olha com atenção os acontecimentos e pensa: “será que se vão lembrar de mim este ano? Já vi esta história a acontecer antes”.

As duas tias podem até fazer birra uma contra a outra, mas quando se conseguem unir, a festa de réveillon promete e o ano pode ser de grandes realizações.

Motivação

A motivação exige uma interação complexa de várias funções cerebrais. Requer a ativação da amígdala cerebral para processar emoções relacionadas aos objetivos desejados. Há ainda o envolvimento do córtex pré-frontal para planear e tomar decisões. Principalmente, a motivação requer a ativação do sistema de recompensa do núcleo accumbens, para associar ações a recompensas. A libertação de neurotransmissores, como a dopamina, desempenha um papel essencial na motivação.

Ocorre que o nosso cérebro tem tendência a buscar recompensas que nos trazem prazer imediato, por isso tendemos a desistir quando as recompensas estão mais distantes e exigem alguma espécie de “sofrimento”.

Porém, mudar nem sempre é prazeroso. Criar e manter um hábito novo requer um equilíbrio delicado entre ceder a recompensas imediatas e focar em recompensas futuras. E é aí que entra a “tia” Autodisciplina.

Autodisciplina

A autodisciplina está associada principalmente ao córtex pré-frontal, a parte do cérebro responsável pelo controlo cognitivo, previsão de consequências, tomada de decisões e regulação das emoções.

Manter a constância na autodisciplina é desafiador devido a vários fatores.

As tentações e distrações podem ativar impulsos mais primitivos, desafiando a autorregulação do córtex pré-frontal.

A capacidade do cérebro de resistir a impulsos imediatos em favor de recompensas futuras (a chamada gratificação tardia) também varia entre as pessoas e pode ser influenciada por fatores genéticos e ambientais.

A falta de recompensas imediatas pode tornar difícil manter a consistência.

Por isso, o mais interessante para conseguirmos persistir é facilitar e tornar mais gratificante o processo de mudança, já que esta pode ser longa e aborrecida.

Aqui vão algumas dicas para fazer a “tia Autodisciplina” brilhar também:

  1. Busca autoconhecimento. Compreender as razões por trás do hábito desejado fortalece a motivação intrínseca, ou seja, aquilo que há no hábito que está alinhado com a tua essência e valores, tornando-te mais propenso a persistir.
  2. Integra o novo hábito na tua rotina diária para criar consistência. A repetição regular ajuda a consolidar o hábito na mente, através da criação de um novo caminho neural. A repetição facilita a sua manutenção e com o tempo o cérebro gastará menos energia com o novo comportamento.
  3. Faz mudanças progressivas, permitindo que o teu cérebro se adapte gradualmente. Mudanças drásticas podem ser mais difíceis de manter.
  4. Associa recompensas ao cumprimento do hábito. Isso ativa o sistema de recompensa do cérebro, fortalecendo a conexão entre o hábito e uma experiência positiva.
  5. Compartilha metas com amigos ou familiares. Já pensaste em sentar com um amigo ou familiar e fazerem juntos uma lista de hábitos que desejam criar?
  6. Em seguida dividam as metas em as partes menores e realizáveis e avaliem como vão conseguir criar esses hábitos com metas graduais.
  7. Não esqueçam de darem “check” ao longo do ano e de avaliarem juntos a evolução. Duas cabeças pensam melhor que uma e um parceiro “fiscalizador” pode fortalecer a responsabilidade e suporte social.

Por fim, não te esqueças de chamar as duas tias para a festa, tratá-las bem e manter contacto carinhoso com ambas durante o ano. Já anota na agenda! Sucesso e feliz 2024!

Carolina Lins

Especialista em Neurociências e Comportamento Humano. Autora do artigo “Aprisionados Pelo Cérebro

Imagem Por, Jacob Philipp Hackert, “Fireworks over Castel Sant’Angelo in Rome” (Klassik Stiftung Weimar)

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