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A nossa história de vida começa nas nossas relações primárias – com os nossos pais, avós, irmãos e familiares próximos. Falar de relações familiares é muitas vezes enfrentar uma realidade muito dura porque enquanto sociedade tendemos a ver a família como uma estrutura importante, talvez a mais importante, e nem sempre ela pode ter essa importância toda. Nem sempre a família significa segurança, apoio, colo e proteção. Algumas vezes a família é fonte de muitas feridas emocionais, feridas essas que nos condicionam de diversas formas ao longo da vida.

Nós somos um reflexo das nossas primeiras experiências de vida, e somos influenciados e condicionados por aquilo que vivemos, ou melhor, pela interpretação que fazemos ao que vivemos. Não significa, por isso, que estamos condenados por termos experienciado determinadas situações, mas somos inevitavelmente influenciados e condicionados por essas experiências – mesmo que de forma inconsciente.

A maneira como nos relacionamos com os nossos familiares mais próximos deixa marcas, grandes ou pequenas, mas deixa marcas e algumas influenciam a maneira, como em adultos cuidamos, olhamos e nos relacionamos com os outros. Neste sentido, a família tem um peso muito grande no nosso bem-estar emocional, na nossa autoestima e autoconfiança.

Contudo, as crenças sociais existem, são reais e influenciam muito o nosso comportamento. Ouvimos muitas vezes coisas como família é família ou à família perdoa-se tudo como se isso significasse que temos de aceitar tudo, que temos que nos sujeitar a tudo só porque é família. Estas crenças estão profundamente enraizadas na nossa sociedade, mas é errado. É errado porque os familiares não podem tudo. As pessoas não têm o direito de humilhar, de maltratar, de manipular, de inferiorizar, só por serem família.

Outro pequeno exemplo, a nossa sociedade também apregoa que os filhos têm obrigações para com os pais, porque lá está pais são pais e os filhos têm o dever de cuidar dos pais e isso também está errado, existe uma enorme inversão de papéis. Os filhos são, nos primeiros anos de vida, uma responsabilidade dos pais e não vieram ao mundo para satisfazer as necessidades ou expectativas dos pais. Em idade adulta, os filhos passam a ter as suas próprias responsabilidades, mas não devem nada aos pais – apesar disso, podem sentir gratidão por tudo aquilo que os pais fizeram por eles e podem até querer retribuir – mas o peso da gratidão é significativamente diferente do peso da dívida.

Importa salientar que muitos destes pais também têm uma história de vida pesada que os condicionou, e provavelmente muitos não souberam nem procuraram fazer diferente. E conhecer a história dos nossos pais pode ajudar-nos a encontrar algum sentido para as coisas que vivemos, mas não muda nada. Aquilo que vivemos deixa marcas, e sentir que somos julgados pela sociedade por termos relações mais complicadas com familiares pode criar muitos sentimentos de culpa, e a culpa é um peso muito injusto de carregar, e pode fazer com que muitas pessoas acreditem que estão sozinhas ou que o problema é delas.

É esperado que as nossas relações saudáveis sejam leves, o que não significa que não tenham maus momentos – todas têm, mas não é suposto que sejam tão frequentes quanto os bons momentos. E, por isso, é tão importante olharmos para nós e para as nossas relações, olharmos para a nossa história de vida e para aquilo que nos condiciona, porque a nossa energia é muito valiosa e não devemos gastá-la em relações e coisas que a consomem.

Mariana Caldeira

Psicóloga Clínica

Imagem Por, Edvard Munch, “Death in the Sickroom [Døden i sykeværelset]” (Munch Museum)

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