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Letícia era uma menina de 8 anos, com os seus loiros cabelos cacheados e de uma pele branca como a neve. Sempre que a viam sorriam devido ao encantamento provocado pelos seus lindos olhos verdes. Contudo, ela não sorria de volta. Letícia tinha as melhores roupas da escola e sabia que não havia pedido seu que não fosse aceite de imediato. Ela tinha tudo aquilo que queria.

João era um menino como Letícia, também com 8 anos e bonito de aparência. Os seus cabelos escuros rodeavam-lhe o rosto e a sua expressão curiosa conferia-lhe traços tão característicos que tornavam João um menino único, o mais especial da escola. No entanto, ao contrário de Letícia, João não tinha tudo. Os seus sapatos estavam gastos e alguma da sua roupa tinha já buracos percetíveis. Mas aquilo que ele mais sentia falta era do seu pai, que trabalhava no estrangeiro a troco de algum ganha-pão para João.

Apesar de todas as diferenças, havia algo grandioso que eles tinham em comum: a adoração pelo Natal. Nessa época do ano, as ruas cobriam-se de branco e o frio gelava os narizes de qualquer pessoa. Letícia fazia sempre um grande boneco de neve e cobria-o com um cachecol laranja. João saía para a rua e brincava com os amigos que moravam perto dele, fazendo lutas com bolas de neve. Enquanto ela observava as montras na busca do melhor presente, ele entusiasmava-se com as decorações de Natal, principalmente os pinheiros e as luzinhas.

A uma semana do Natal, o destino levou-os ao mesmo lugar. Num dia de frio, onde os mantos brancos de neve cobriam a rua, Letícia e João procuravam a paisagem mais bonita para o seu estilo natalício. Assim que viram a montra do senhor Abílio, o dono da loja dos brinquedos, pararam diante da mesma e ficaram a encará-la com o ar mais admirado do mundo. Tão linda que era a montra!

– Adoro todas estas bonecas que aqui estão. Aquela é tão parecida comigo!- Disse Letícia, a tremer de contentamento.

– Eu adoro todas estas luzes que dão cor e magia a tudo o resto. O Pai Natal que canta e anda, passeando pela montra, é fantástico!- Respondeu o João.

Eles não se conheciam, mas naquele momento souberam que iam ser bons amigos. Podiam ainda não conhecer tal facto, mas aquela montra iria uni-los para sempre.

– Então, mas e só gostas das luzes? E os brinquedos? As bonecas, os puzzles, os carrinhos e comboios de todos os tamanhos que aqui estão… E tu só falas nas luzes?

João fez dois montinhos de neve e atirou-se para um, sentando-se nele. Letícia fez o mesmo e esperou a sua resposta.

– Eu gosto de comboios, sobretudo os maiores, o meu pai costumava brincar comigo aos comboios. Mas o único que tinha avariou e o meu pai já não está cá para jogar comigo. Não ligo aos brinquedos. Gosto de olhar para as luzes e acreditar que têm magia.

– Onde está o teu pai agora? Porque não tens um comboio nem brinquedos?- Letícia continuou, empertigada como é que aquele menino podia ser tão diferente dela.

– O meu pai está a trabalhar num país distante. Na maioria dos Natais não pode vir a casa, só manda postais. Tenho tantas saudades dele, só queria que ele estivesse cá e ficasse para sempre. Por isso não quero brinquedos, prefiro olhar para as luzes e imaginar que, onde quer que ele esteja, ele está a olhar para umas iguais e a pensar em mim. Além disso, a minha mãe dá-me sempre roupa. Diz que não me pode oferecer o que gostava e que, então, me dá o que eu preciso.- Disse João, triste.

– Que horror! Eu faço uma lista todos os anos, com imensos brinquedos, e a minha família, grande como é, dá-me sempre todos.

– Deve ser divertido fazer uma lista e passar o Natal com uma família grande.

– Às vezes fico triste porque sou a mais nova e parece que não me dão atenção. Gostava de ter alguém para brincar no Natal. Podíamos fazer uma lista juntos e mandar ao Pai Natal.

– Como?

– Amanhã aparece neste sítio à mesma hora e eu mostro-te.

E assim combinaram encontrar-se mais uma vez. João estava ansioso por escrever uma carta ao Pai Natal pela primeira vez. Letícia só conseguia pensar no novo amigo que fizera e no quão eles eram diferentes, apesar de ela ter gostado logo muito dele.

No dia seguinte, lá estavam eles, na hora e local combinado. A menina trazia duas folhas e duas canetas, repartindo com João, e disse:

– Agora só tens que escrever aquilo que queres pedir ao Pai Natal.

Assim, na carta de Letícia podia-se ler:

Querido Pai Natal,
Eu ia-te pedir uma boneca grande, loira como eu, que falasse. Vi uma assim e adorei. Também ia pedir um urso de peluche e um jogo para o computador, mas uma coisa mudou. Conheci o meu amigo João e ele disse-me que os brinquedos não interessam. Só quer o seu pai. Então, peço-te que tragas o pai dele de volta e que me ofereças um Natal mágico, com um amigo como ele para brincar comigo.”

Já o João escreveu:

Querido Pai Natal,
Este ano gostava de ter o meu comboio de volta, mas não é isso que eu te peço. Prefiro que me tragas de volta o meu pai e que ele fique aqui para sempre. Tenho saudades dele e espero que ele volte para o Natal. Já agora, que ele conhecesse a minha amiga nova. Obrigado.”

– E agora?- Perguntou João.

– Agora vou levar as cartas para casa, os meus pais mandam-nas sempre para o Pólo Norte e o Pai Natal lê e traz sempre o que eu quero.

E assim cada um voltou para sua casa. Quando Letícia chegou, a sua mãe reparou que ela estava preocupada e pensativa, e perguntou-lhe:

– O que tens, Letícia?

– Nada. Já escrevi a minha carta ao Pai Natal.

– Isso é uma coisa boa não é? Porque estás com essa carinha?

– Porque não sei se este ano ele me vai trazer o que eu quero. Conheci um amigo, o João, e gostava que ele trouxesse o pedido dele também.- Letícia respondeu e contou a história do amigo à sua mãe.

– Vamos ver que magia o Natal nos traz este ano!- Disse a sua mãe.

O que nenhum dos meninos sabia era que a mãe e o pai de Letícia trataram de tudo para dar a João um Natal mágico. Falaram com a mãe dele e ela contou a sua história. Decidiram que havia um lugar para o pai de João na empresa dos pais de Letícia. Assim, ele poderia vir para o seu país e não voltar mais. Essa seria a surpresa de João. No Natal, convidaram a família de João para ir lá a casa, e ele poderia brincar com Letícia. Assim, quando todos estavam reunidos, o pai de João apareceu e ele correu para os seus braços para poder abraçá-lo.

– O Pai Natal trouxe o que eu queria!- Exclamou João.

Ele recebeu, ainda, um comboio como queria. Já Letícia recebeu uma boneca e um puzzle, nada mais, mas já ficou feliz. O que ela queria mesmo era a companhia de João e isso ela já tinha. E sabia que iriam ser sempre amigos.

– Este Natal, aprendi que há mesmo magia de Natal! Só temos que acreditar.- Disse-lhe João.

– E eu aprendi que o Natal deve ser igual para todos. Que esta época é especial porque estamos com quem mais gostamos, a nossa família e amigos. Não são os presentes que fazem a magia, mas sim as pessoas. E aprendi que podemos ajudar os outros, cada um poderá ser um Pai Natal à sua maneira.- Respondeu Letícia.

Assim, os dois amigos abraçaram-se, felizes, naquele que seria o melhor Natal das suas vidas.

Esta foi a lição que estas duas crianças guardaram para sempre, espalhando-a o melhor que puderam. É fácil esquecer-nos onde está a magia do Natal, sobretudo para os adultos. No entanto, a vida sempre nos mostra o que é importante, assim como à Letícia e ao João.

Por: Orquídea Polónia (Escritora e Autora do livro, “Os Corvos”)

Imagem Por, Ludwig Rößler, “Die Kinder der Familie Buderus [The children of the Buderus family]”

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