Eu vi-te a dividir um cigarro com ela. E muito embora tenha parado de fumar há muito tempo, isso não me impediu de ter a maior crise de abstinência da minha vida.
Aquela sensação que só sentia quando estava ao pé de ti voltou. E depois o peito carregado de ânsia, a respiração ofegante, os olhos lacrimejados.
Imaginei-me na posição dela. Estará feliz? Esperançosa, como estive eu durante vários meses? Ou com medo que um dia o abandono lhe bata à porta? Está a sorrir para ti. Parece um sorriso honesto…
Conhecê-la mesmo? Quer dizer, dizias conhecer-me, e por breves meses realmente acreditei nisso, porque a verdade é que nem eu me conhecia o bastante para perceber a verdade acompanhada de artimanha.
Devia tê-lo percebido mais cedo, talvez a dor não fosse tão angustiante. Quando os afagos já não eram tão constantes, as palavras de afirmação inexistentes ou a demonstração em público… Ah!… a demonstração em público! Nunca tivemos muito disso, não é verdade? Recordo-me dos dias rápidos que olhavas de relance e sorrias, como se me desconhecesses…
Devia ter-me olhado ao espelho e percebido o erro antes que fosse tarde de mais. Antes mesmo de enviar cartas sem resposta, iniciar monólogos contigo ou insistir em algo que não era recíproco.
As promessas não foram cumpridas e, agora, os planos não serão realizados. Não haverá mais datas especiais a comemorar… talvez não seja tão relevante para ti. Mas esses dias revigoravam-me durante semanas. Até à primeira vez que te esqueceste. Até se tornar rotineiro.
Jamais me esquecerei dos dias vulneráveis, sabendo das mensagens sem resposta que receberia. Sabendo que, no final do dia, a única mensagem seria “boa noite”.
Jamais esquecerei as noites que dormi arrasada porque tinha de aprender a lidar com a ansiedade para que tudo flutuasse minimamente estável entre nós.
Mas estás a dividir o cigarro com ela, ela sorri para ti e estão cada vez mais próximos. Provavelmente já se beijaram e estão enamorados, o que talvez lhe traga confiança nesta relação. Tens, por hábito, demonstrar isso, trazer o conforto e expectativa. Mal sabia eu que isso não iria durar sempre.
Porque, agora, observo-te a tentar resgatar o charme que comigo foste perdendo.
Parece que já não te faço o mais feliz do mundo, que as nossas primeiras marcas não te vão ficar registradas. Agora, não poderei reclamar da parede suja devido à bola dentro de casa, não pedirei para vestires um casaco numa noite fria.
Mas, onde encontrares o teu verdadeiro lar, que te faça tão feliz como um dia fui, contigo.
Gabriela Meireles
Escritora deste texto Amor em Abstinência. E autora de vários contos sendo alguns deles “Amor em Abstinência”, “Areia Movediça“, “Enintensída” e “Monólogos Durante Madrugadas“
Imagem Por, Edward Hopper, “Eleven A.M.”
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