Ao longe os sinos tocavam quando do seu sonho ela acordou, olhou para o relógio… Meia-noite, os ponteiros mostravam e não mais ela se deitou. Sozinha! Estava sozinha no seu quarto e em todo o mundo, naquela enorme cama fria, na sua vida, no seu infortúnio.
Da janela via a neve a cair e as luzes que piscavam a anunciar o Natal, mas ela não o queria sentir, pois há muito que era só mais uma época banal. Então, com passos leves e o cabelo apanhado deixou tudo para trás, deixou o quarto, quando sem querer olhou e viu… O calendário. Era dia de magia, em dezembro já era dia vinte e quatro.
Desceu as escadas, sem vontade, degrau após degrau, com leveza, perguntou-se se iria ela a caminho da verdade ou esbarraria na eterna incerteza? Foi então que ouviu alguém dizer:
– Mostro-te o quanto estás errada!
O susto quase a fez desfalecer! Ficou com a respiração cortada!
– Vem! Não tenhas medo. Não quero nem vou te magoar, sou um simples mensageiro com algumas palavras para te dar!
Ela estava parada, quieta, assustada, a sentir as batidas do seu coração. De onde viria aquela voz adocicada? Do tecto, do canto, da parede, do chão? Porque ela não o via, não sabia o que pensar. Estaria ela na sua cama a dormir? Estaria a enlouquecer, estaria a sonhar? Mas ela sabia que o estava a sentir. Ela sabia que estava ali alguém, não tinha dúvida quanto aquela presença.
Como seria possível? Não via ninguém! Mas a voz… Na voz notou uma parecença. E num instante uma estrela cadente passou, foi magia; e o brilho refletiu o impossível de se ver, quando, ali naquela sala, estava o homem da sua vida. O mesmo homem que dias antes vira morrer.
O frio fugiu, foi o espanto que o escondeu. Veio uma nova esperança, chegou o calor. O desejo pelo abismo assim se perdeu, pois o coração abriu-se. Ofuscou-se a dor.
– Não é possível! Não pode ser!
– Sou eu! Não tenhas medo de mim!
– Não! Devo estar a enlouquecer!
– Isto não tem de ser o teu fim!
O tempo parou! Já era dia vinte e cinco. Ela não acreditava no que estava acontecer, mas sabia que havia algo de esquisito. Não poderia ser ele, ele deixara de viver!
– Sou eu! Dá-me a tua mão!
Ele pediu e ela obedeceu.
Sentiu o toque no seu coração e o mundo estremeceu. Sim, era ele que a olhava, era ele que agora sorria e ela apenas chorava, ela por ele morreria.
A neve caía, caía sem parar, o relógio contava o tempo, palavras e lágrimas no ar à volta de um grande tormento. Ela não sabia o que dizer, era impossível ele estar à sua frente, mas ele olhava para ela e em nada mostrava sofrer. Seria a morte neste Natal o seu presente?
Juntos lembraram um acidente. Um acidente que fora fatal! Um acidente que a deixou descrente, um acidente a poucos dias do Natal. E agora ela vivia na esperança de partir, porque no seu mundo mais nada faria sentido. Ele morreu e ela quis morrer a seguir, na sua vida o amor ficara perdido. Mas ele estava mesmo ali, ela sem acreditar. Ele dava-lhe palavras de incentivo e ela nada daquilo queria escutar. Ele não se cansou, foi exaustivo.
– Tens de aceitar, tens de compreender!
Ele disse, mas ela não queria…
– Sem ti? Eu sem ti não sei viver!
Ela respondeu e ele sorria…
– Ouve, meu anjo, não te irei abandonar, eu sou apenas mais uma estrela, uma estrela que te vai iluminar sempre que te sentires pequena.
– Mas tu foste e eu fiquei! Eu fiquei aqui sozinha, quase que sufoquei! Como posso perdoar a vida?
– És forte! Eu sei! Eu conheço-te! E eu estarei sempre contigo, quando quiseres adormeço-te e nos meus braços levo-te comigo.
– E quando eu acordar?
– Será um novo dia!
– Comigo tu vais estar?
– Nunca te deixarei sozinha!
Mais uma lágrima que ela deixou cair, mais uma dor que saiu do seu coração. Ela queria acreditar no que estava a ouvir! Queria acreditar com toda a devoção!
Ele estendeu os braços para a abraçar e ela caminhou para ele com determinação, quando um trovão fez a eletricidade falhar e ela deixou de o ver. Ele desaparecera na escuridão.
As luzes voltaram a fazer-lhe companhia e aquela sala nunca lhe parecera tão enorme. Estava de novo num cenário, sozinha, mas lembrava-se das palavras… Ela era forte! Então, olhou para a árvore enfeitada, a árvore que estava esquecida, e viu uma caixa embrulhada, uma caixa que ela não conhecia. Desembrulhou com cuidado desembrulhou apavorada, e qual não foi o seu espanto ao ver o que a caixa guardava.
Um lindo anel brilhava intensamente e a fazer-lhe companhia estava um cartão: “Olá, meu anjo, não esqueci o teu presente! Estás sempre comigo e, eu sei, eu estou no teu coração, por isso vive alegre, vive sem sofrer! Vive, meu anjo, eu continuo a te amar!”. Ela colocou o anel e sentiu-se a viver…
Abriu os braços ao que a vida tinha para dar.
Por: Mafalda Soares Pinho (Escritora e Autora do livro, “Entre a Morte e a Vida“)
Imagem Por, Hendrick Avercamp, “A Winter Scene with Skaters near a Castle” (National Gallery)
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