|| ◷ Tempo de leitura: 5 Minutos ||

Chegava mais um Natal. Era véspera desse dia e bem cedo Cristina e a mãe já andavam numa grande azáfama. No dia anterior já tinham comprado o fermento de padeiro e a massa de pão para as filhoses. A abóbora também já tinha sido cortada e cozida, escorria esperando a sua vez de ir para o alguidar.

Também já havia as couves, as batatas, as cenouras e o bacalhau já estava de molho.

A primeira tarefa desse dia, era fazer a massa das filhoses de abóbora. A mãe começava aos poucos a juntar os ingredientes num grande alguidar, abóbora, gemas de ovos e mais alguns ingredientes, todos juntos faziam magia. Tudo estava a postos para começar a tradição de amassar as filhoses de abóbora, tal como se fazia na aldeia:

— Mãos na massa, segura o alguidar Cristina, não o deixes cair!

E começavam as hostes, Cristina com a firmeza que as suas mãos lhe permitiam, segurava o alguidar enquanto a mãe mexia a massa alaranjada, para a direita, para a esquerda e quando começava a imitar o gato, riam-se as duas. A massa começava a ganhar pequenas bolhas, era sinal que ainda tinham de amassar e com mais intensidade as filhoses. Na aldeia, dizia-se que quando o alguidar de barro se partisse, a massa das filhoses estava boa para levedar!

Aquecia-se um pouco de água e num espaço da casa onde ninguém fosse, colocava-se a massa a levedar por cima do tacho com água morna, tapado com um pano e um cobertor. Levava várias horas até ficar no ponto.

De regresso à cozinha, estava na hora de fazer algo muito divertido, amassar as filhoses estendidas. Os ingredientes base eram os ovos, a massa de pão, a farinha, o fermento, o azeite e mais uns ingredientes secretos para criar uma massa que precisava de um tratamento especial. Na bancada da cozinha colocava-se farinha e em cima dela a massa. E aí começava a brincadeira. Amassava-se, sova-se a massa, mandava-se ao ar e a vizinha do lado fazia o mesmo, era uma verdadeira competição de “tuns”, ou seja, de massa a bater na pedra! Ela ficava boa quando se via pequenas bolhas a quererem aparecer. Nessa altura, num alguidar colocava-se um pouco de farinha e na massa fazia-se uma cruz, tapava-se com um pano e lá ficava a levedar umas quantas horas.

Estava a ficar na hora de almoço, a mãe prepara algo rápido, que a tarde era de muito trabalho.

Já após o almoço, na televisão corria o filme “A Música no Coração” e enquanto cortava as fatias das rabanadas, Cristina dançava e cantava ao som do filme.

A mãe tentava mais um ano fazer as azevias, nunca tinha conseguido fazê-las direitinhas, acabavam sempre rebentadas. Cristina sorria, pela teimosia dela.

Embevecida, olhava também para as receitas antigas que a mãe tinha no caderno e sonhava que um dia na cozinha dela, iria fazer aquelas receitas.

Já depois dos frutos secos partidos, a mãe ia buscar a massa das filhoses de abóbora. Dava-lhe uma volta com uma colher e a massa borbulhava. O óleo já estava quente, testava-se a primeira colherada.

Entretanto a campainha tocava, era o avô que chegava.

O café na cafeteira já estava quente, as primeiras filhoses envolvidas em açúcar e canela e assim se servia o Natal ao avô, na mesa da cozinha. Ele deliciava-se com estas pequenas coisas, mas reclamava se alguém se esquecia do seu vinho do Porto. E replicava: — “Então onde está o meu Porto?”

Fritas todas as filhoses e as rabanadas, estava na hora de tratar da ceia. Descascar batatas e cenouras, arranjar as couves, eram tarefas da mãe e do avô. Na sala já a Cristina e o pai punham a mesa.

A árvore de Natal já brilhava, os aromas do pinheiro e dos doces uniam-se na perfeição.

Nessa altura, Cristina fugia para a janela, para sentir o frio que vinha da rua. Nessas alturas pensava sempre, que tinha muita sorte por sentir que para além do calor da própria casa, não lhe faltava o calor humano dos que a rodeavam.

Olhava o céu e como bênção uma estrela riscava os céus! Cristina estava feliz! Nessa altura entrava à porta o irmão Jorge, vindo de uma longa jornada de trabalho. Mais de 20 horas, a amassar Bolo Rei e filhoses. Jorge era pasteleiro numa famigerada pastelaria da cidade.

Eram 20h30 e finalmente todos se sentavam à mesa. Serviam-se as couves, batatas, ovos e uma posta de bacalhau, tudo regado pelo azeite trazido da aldeia.

Na televisão ouvia-se as notícias dos Natais em outros países, muitos deles nessa noite transpareciam uma tranquilidade.

Nesta noite, Cristina enquanto comia e ao longe ouvia as notícias de países distantes, ouvia as vozes de quem estava à mesa e sonhava com o dia em que numa mesa, na sua casa, iria também sentar todos os que lhe eram queridos, para usufruir da beleza do espírito de Natal, sem caos nem inimizades…  Apenas luz e amor! Afinal, o Natal é isso mesmo.

Sandra Monteiro

Autora e escritora de outros textos como “Prelúdio de uma Chamada“, “A Solidão de Nevena”, “Calcei os teus sapatos“ e “Chapéu de Chuva

Imagem Por, Carl Larsson, “Christmas Eve dinner

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Previous post Confissões Artísticas
Três crianças a olhar para a árvore de natal. O título da obra é "The Three Wise Men of the West" Next post A Uma Semana do Natal