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Muitas vezes perguntam-me se o luto tem um caminho certo para acontecer. É preciso chorar sempre? Quando é esperado ficar bem? Vou voltar a ser feliz? Todos vivemos inúmeras perdas ao longo da vida: morte de entes queridos, fim de relações, perda de ideais e objectivos, deterioração de saúde física ou mental

A verdade é que não existem maneiras certas ou erradas para experienciar um luto. Cada processo de luto é individual e íntimo com base nas características e necessidades relacionais de cada pessoa, mas o luto acontece, também, num contexto cultural que molda a expressão e a manifestação da dor da perda. É neste contexto que se desenvolvem mitos, fantasias e crenças, passadas de geração em geração, que restringem o fluxo natural de um processo de luto e geram conflitos internos entre “o que eu quero e preciso” e “o que os outros esperam e precisam”.

Quanto mais conseguirmos desmontar estas regras bloqueadoras, mais conseguiremos abrir espaço para vivermos abertamente a nossa dor e reconstruir o sentido da vida, de forma equilibrada e saudável.

Mito: O Tempo cura tudo

Esta ideia pressupõe um estado de passividade relativamente ao processo de luto, como se a passagem do tempo por si só servisse de “curativo” à dor. O luto é um processo normativo e dinâmico, constituído por várias tarefas que evoluem no tempo, e que implicam que cada pessoa tenha um papel activo na sua adaptação à perda e na (re)construção da sua vida, de acordo com a sua história, necessidades, valores e objectivos. Não importa só a passagem do tempo, importa o que se faz com esse tempo.

Mito: O Luto dura seis meses a um ano

Após uma experiência marcante, o corpo precisa de cerca de 6 a 7 meses para se reorganizar e por isso a maior parte dos lutos desenvolve-se neste espaço temporal. É preciso reforçar que o processo de luto é uma experiência individual e subjectiva e, em algumas situações, este intervalo de tempo pode variar, de acordo com as necessidades pessoais, a qualidade da relação com a pessoa falecida, as circunstâncias da morte, a presença de problemas psicológicos prévios, a existência de outras perdas e a qualidade da rede de suporte.

Mito: Não se deve falar sobre o assunto

A pessoa enlutada precisa de ser ouvida e valorizada na sua história de perda e, em alguns momentos, sente necessidade de falar da sua experiência. Recordar e recontar a história podem ser formas de assimilar a experiência. No entanto, a vulnerabilidade da pessoa enlutada retira-lhe, em grande parte, a iniciativa para procurar ajuda, sendo importante que as pessoas ao seu redor tenham um papel activo na sua vida (“Tenho pensado em ti. Gostava de saber como tens passado. O que precisas? Em que te posso ajudar?”).

Mito: Os medicamentos, as drogas e o álcool aliviam a dor do todo

O alívio acontece mas de uma forma transitória porque ajudam a “anestesiar” a dor física e emocional. Ao longo do processo de luto pode ser necessária a introdução de medicação para estabilizar algumas queixas físicas e emocionais que podem comprometer o funcionamento geral nas várias áreas de vida. Caso o sofrimento se torne insuportável e incapacitante de prosseguir com a vida diária ou de perspectivar o futuro, é necessário a procura de ajuda especializada.

Mito: A Pessoa deve voltar a rotina e arrumar as coisas da pessoa falecida

No luto não existem tempos ou regras definidas. O processo de luto é íntimo e cada pessoa tem a sua forma de viver a perda. Cada pessoa deve encontrar o seu tempo e escutar as suas necessidades, sem pressões, críticas ou julgamentos.

Mito: A Pessoa tem de ser forte

Fingir que está tudo bem é muito doloroso e desgastante e ocultar a dor não faz com que ela desapareça. É importante haver espaços e relações seguros, onde a pessoa em luto se possa vulnerabilizar e descarregar a sua experiência.

Mito: As crianças devem ser afastadas da situação de morte

As crianças também vivem os seus lutos e precisam de tempo e espaço para processar a sua dor. Elas conseguem perceber as mudanças que acontecem à sua volta e não falar sobre a morte pode provocar-lhes medos, dúvidas e inseguranças. Deste modo, é importante sentirem-se parte integrante da experiência, favorecendo conversas, adequadas à idade, para explicar o que acontece e para partilhar emoções.

Ao longo de um processo de luto, a criança deve estar acompanhada de um adulto com disponibilidade para escutá-la e responder às suas questões.

Mito: Nunca mais se é feliz depois de um luto

O luto é um caminho de aprendizagem, crescimento e reconstrução, sendo possível transformar dor e vazio em amor e saudade e com isto voltar a encontrar propósito e “sabor” na vida.

Ana Correia

Psicóloga Clínica e Terapeuta de Luto. Autora do artigo “Vivendo com o Luto

Imagem Por, Edvard Munch “Golgotha” (Munch Museum)

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