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[O Texto abaixo faz referência ao suicídio, caso sofras de ideação suicida por favor procura ajuda – podes contactar-nos que fazemos questão de ajudar-te encaminhando para um profissional]


Se eu pudesse, teria suprimido a vontade visceral de te conhecer que se apoderou do meu peito quando te vi a andar nessa tua calma característica, discreto, distinto, pelo meio de toda aquela gente padronizada. Se eu pudesse, nunca me teria deixado enfeitiçar por esses teus olhos tranquilizadores, que pareciam guardar a maior e mais misteriosa floresta dentro deles. Se eu pudesse, nunca te teria deixado dominar o meu coração dessa tua forma passiva e quase inofensiva, como se não fosse tua intenção deixares-me completamente aos teus pés.

Mas eu não podia. A nossa história já estava escrita nos documentos do nosso destino, que me destruiu a mim, só a mim… porque tu já estavas destruído antes disso.

Eras diferente. Eras inteligente. E dizem que a inteligência é uma bênção. Mas foi essa tua tendência a pensar demasiado que te atraiçoou. Sempre preferiste a razão em detrimento das emoções e, ainda assim, foram elas que te levaram por esse caminho infernal. Então, em que é que ficamos?

Se eu pudesse, se eu soubesse… ter-te-ia dado a mão quando precisaste e foste orgulhoso para me contar o que se passava dentro da tua cabeça. Ter-te-ia abraçado sobre o colchão duro da cama onde dormimos, e tu não terias tido esses pesadelos monstruosos. Ter-te-ia limpado as lágrimas quando a amargura te invadiu todos os cantinhos da mente e do corpo. Teria evitado que a escuridão te consumisse tão avidamente a alma, antigamente tão límpida e pura, e agora tão negra e abatida.

Mas eu não sabia. Não podia.

Hoje, depois de ti, a tristeza invade-me a mim, acompanhada da impotência malfeitora e dos banhos de choro. Hoje, depois de ti, os pesadelos perseguem-me a mim, envenenando as únicas memórias que tinha contigo, bombeando-me com visões que eu preferia não ter; visões de ti, sozinho, enrolado nos lençóis com o rosto lavado em solidão, apesar de continuar inegavelmente bonito. Visões de ti, dos teus gritos roucos e das mossas que o teu punho deixou na parede do nosso quarto.

Magoa-me saber que estavas pior do que eu alguma vez poderia imaginar. O poço era tão fundo que nada parecia representar uma razão suficiente para te içar, para te fazer ver a luz e a beleza que o mundo na verdade tinha e que continua a ter – mas que já não passa de uma recordação longínqua para mim.

Esses teus demónios já te assombravam há demasiado tempo. E raios – sinto-me tão estúpida quando penso em como eu era ingénua, em como eu achava que os conseguia afastar de ti. Que idiotice! Já faziam parte da tua pessoa, já te controlavam como um ventriloquista controla um fantoche, já te levavam a falar dessa forma sombria e a sorrir sem os olhos.

Quis odiar-te quando soube do que fizeste. Mas só me odiei a mim por nunca me ter apercebido de que tinhas chegado ao teu ponto de rutura. Quis odiar-te porque foste fraco. Porém, já é mais do que sabido…

Não se pode odiar alguém que outrora amaste.

Se eu pudesse, faria tudo outra vez. Sofreria tudo outra vez, só para olhar novamente para os teus olhos tranquilizadores, que pareciam guardar a maior e mais misteriosa floresta dentro deles e que, agora, nunca mais serão novamente admirados por ninguém.

Queria respeitar a tua escolha, juro que queria. Mas a dor e as questões assolam-me! Como foi o dia em que decidiste que querias abandonar o mundo? Foi difícil? Ou já estavas demasiado além para te preocupares com os sentimentos daqueles que te amavam e que tu abandonaste?

Doeu muito? Ou a morte não se compara à angústia que sentiste em vida e que ninguém deu conta?

Consegues sentir o meu desespero aí de cima? Consegues ouvir o eco dos meus lamentos impregnados de culpa? Ou desapareceste por completo?

A minha voz falha, soluços ocupam o meu ser e eu caio sobre os meus joelhos enquanto a tua figura ronda o meu pensamento e as saudades e a culpa me reprimem.

Mesmo se eu pudesse… eu não podia.

Mesmo se eu te tivesse dado a mão, mesmo se eu te tivesse abraçado, mesmo se eu te tivesse limpado as lágrimas… a tua alma iria ser consumida pela escuridão de qualquer das maneiras, porque, na verdade… não havia nada que eu pudesse fazer além de esperar pela tua ida.

Diana Lopes

Criadora de Conteúdo e Escritora dos textos, “Viagem” e “Despedida de Verão

Imagem Por, Pablo Picasso, “Weeping Woman [Femme en pleurs]” (Tate)

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