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Tentei escrever depois de me ter esquecido de como se espelha em palavras algo tão impossível de materializar como os pensamentos. Tentei escrever depois de ter parado de o fazer durante tanto tempo por medo de quem não era, quem fui outrora, de quem sou agora. A dor de não se ser ninguém, enquanto se tenta tanto ser alguém, é maior do que qualquer outra que possa surgir nesta falha constante que é viver.

A vontade de sentir tudo, seja a mais mundana felicidade de sentir os lençóis da minha cama ou a mais intensa ansiedade de pensar no que é amar, levou-me ao extremo da loucura, da intensidade, da idade. Uma alma velha e cansada presa no corpo de uma jovem cada vez mais amargurada pela realidade que lhe é apresentada, diariamente, nas paredes da sua mente. Olho para ela e penso para onde é que foi, onde é que se escondeu: se detrás da memória de um amor perdido ou da falta dela. Pobre coitada, deitada nos braços de um homem invisível que a abraça com as mesmas mãos que a magoam, que a ama com os mesmos lábios com que a trai. Há coisas no amor que não têm razão e ainda bem que assim são.

Não quero descobrir aquilo que se esconde por detrás da fria melancolia que me faz chorar à espera, à porta da tua casa, pelo amor que nunca foste capaz de me dar. Não quero descobrir o que me move por essas ruas escuras, que me fazem perder a lucidez, que me perturbam a vista, que me fazem deixar de ver a razão.

Não quero encontrar a felicidade se nela me perco e cego-me pela luz que me ilumina. Não quero perder a visão pela escuridão nem pela claridade. Não quero uma coisa ou outra. Não quero o extremo porque é difícil voltar dessa sensação. Não quero ser feliz. Não quero ser triste. Não quero amar em demasia. Não quero ser irracionalmente amada. Não quero sentir o formigueiro na barriga. Não quero sentir o peso da minha alma. Não quero ser o ser que sente. Não quero ser a materialização da emoção. Não quero ser eu, mas quero. Não quero ser tudo, mas quero. Não quero querer ser mais do que isto. Não quero ser mais, mas quero. Não quero perder-me a querer.

Quero. Que me deixem ser, mas que não me façam escolher. Porque não quero saber o que querer. Eu só quero voltar a escrever.

Margarida Peixoto

Escritora do texto “Sentimentos Perdidos“ e “A Memória no Sabor

Imagem Por, Pablo Picasso, “Woman with Bangs” (Baltimore Museum of Art)

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