Aquele sabor a quotidiano enche-me a memória. Aproximo a chávena dos meus lábios e anseio por mais um pouco daquela sensação que me enternece a manhã. Cada um daqueles grãos outrora de outra qualquer pessoa, avistam caminhos que esta pobre mente já não consegue perspetivar. Criam-se sonhos naquela mistura que forma aquela simples bebida: o mundo é capaz de mudar e a felicidade é um conceito real. Visitam-se sítios que o terreno corpo quer sentir e encontram-se pessoas que já não podem ou devem ser encontradas. São minutos nos quais se vive mais do que nunca. São curtos espaços de tempo que se estendem pelo dia e que suscitam em mim a ânsia de reviver a invisível irrealidade que se torna necessária para suportar a normativa realidade.
A ambição de ser alguém nunca passou pelo que se escolhe beber rotineiramente nas chuvosas ou solarengas manhãs, no entanto, não existe nada que me faça desejar mais o dia que está por vir. Resume-se o meu futuro ao mundano local em que posso sentar-me, calmamente, no princípio de qualquer dia, a beber essa mistura de quem sou, fui e quero ser? Se assim for, esta sensação será a mais próxima que sentirei desse expoente máximo do bem-estar que tanto desejamos alcançar. Sempre fui do quotidiano agitado pela minha constante inquietude de ser e não penso que serei, alguma vez, diferente. E é naquele tão poético sabor que me encontro, para me poder perder na vida a que não pertenço. Há mais café?
Imagem Por, Edward Hopper, “Sunlight in a Cafeteria” (Yale University Art Gallery)
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