Num dia chuvoso, Joaninha estava aborrecida, fechada dentro de casa, como acontecia nos dias chuvosos. Enquanto olhava pela janela, pensava no quanto gostaria de estar lá fora e de voar bem alto em direção ao sol, contudo, isso não era possível. Com a chuva, as suas asas ficariam molhadas e ela não conseguiria voar. Como tal, nos dias em que chovia, tinha de ficar em casa e arranjar outra ocupação. Mas que diabos havia de interessante para fazer dentro de casa?
Saiu do quarto e foi ter com a mãe à cozinha. A mãe estava a fazer um bolo e ela aproximou-se para ver de perto.
– Mmmmmmmm… Bolo de chocolate! – Exclamou, com água na boca.
– Sim, queres ajudar-me a fazer? – Sorriu a mãe, apontando para os ovos, em cima da bancada.
Joaninha aceitou e sem demora começou a ajudar a mãe a partir os ovos para o recipiente.
– Tens de separar a gema da clara. – Explicou a mãe. – Assim. – E, devagarinho, fez um gesto a exemplificar como ela devia fazer.
Partiu o primeiro ovo e… Puff! A gema espalhou-se pela bancada.
– Acontece sempre na primeira vez, tenta novamente. – Incentivou a mãe.
Agarrou noutro ovo, bateu com o ovo na bancada e quando o partiu para a taça, a gema voltou a desfazer-se nas suas mãos, ficando impossível separar da clara.
– Não faz mal. – Tranquilizou-a a mãe. – Vai antes buscar a farinha e o açúcar à despensa.
No entanto, Joaninha estava demasiado aborrecida para o fazer. Em vez disso, decidiu voltar para o seu quarto e esperar que o bolo ficasse pronto. Era óbvio que cozinhar não era uma boa forma de ocupar o tempo, era demasiado difícil para uma criança e a melhor parte dos bolos era comê-los. Sentou-se na cama e olhou para a estante.
– E se eu lesse um livro? – pensou em voz alta.
Agarrou no primeiro livro que viu e começou a lê-lo. Devorou-o em três tempos e, quando olhou para as horas, faltava ainda muito tempo para o dia terminar e a chuva não tinha meio de parar.
– Aff… – Rabujou. – Que vou fazer agora? Hum… Já sei! Vou fazer desenhos!
Agarrou em lápis de cor e folhas de papel e começou a rabiscar o que à primeira vista parecia ser uma girafa. Depois, desenhou uma casa, seguindo-se de uma floresta, até que se cansou.
– Já não quero desenhar mais. – Atirou os papéis pelo ar. – Quero ir voar lá para fora… – Resmungou, cruzando os braços e fez beicinho.
A chuva continuava a pingar na janela do quarto. Voar lá fora não era uma opção. Mas, o que mais poderia ela fazer?
Decidiu criar o seu próprio jogo. Imaginar que a casa era um enorme castelo, com passagens secretas e mistérios escondidos que ela tinha de decifrar. Esteve horas e horas sem fim, a brincar com a sua imaginação, até a mãe chamá-la para lanchar. Correu até à cozinha e devorou uma fatia enorme de bolo de chocolate.
– Como devagar que ainda te engasgas! – Exclamou a mãe, em pânico, ao ver a Joaninha a engolir o bolo. – Para quê tanta pressa? Ainda não parou de chover.
– Eu sei. – Respondeu, de boca cheia. – Mas estou prestes a descobrir por onde fugiram os ladrões do castelo!
A mãe olhou para ela confusa, mas não teve tempo de fazer mais perguntas, pois Joaninha corria de volta para o quarto. Estava tão envolvida na sua imaginação que, sem querer, tinha descoberto uma nova ocupação.
– Vocês vão ver! Eu vou-vos apanhar e prendê-los nas masmorras! – Gritou, enquanto corria atrás dos ladrões do castelo.
Era noite cerrada quando a brincadeira terminou e Joaninha estava exausta. Nunca tinha brincado tanto, durante tanto tempo. A mãe foi aconchegá-la na cama e perguntou, com um sorriso:
– Apanhaste os ladrões?
– Sim, e amanhã vou organizar um banquete para festejar! – Exclamou, com um brilho no olhar.
A mãe riu-se, baixinho.
– Amanhã já não vai chover.
– Eu sei, mas acho que gosto mais de criar as minhas histórias e vivê-las, do que de voar.
– Criar histórias também é voar. – Explicou a mãe. – Em vez de usares as tuas asas, estás a usar as asas da tua imaginação e isso é maravilhoso! – Deu-lhe um beijo de boa noite e apagou a luz. – Dorme bem, minha pequena voadora!
Por: Carina Sapateiro (Escritora e Autora do livro “A Luz da Princesa”)
Imagem Por, Francis Danby, “Children by a Brook” (Yale Center for British Art)
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