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Precisas escavar a areia todos os dias, precisas certificar-te de que ela não cairá. Caso contrário, serás engolida pelos finos grãos, quando menos esperares.

E não podes fugir à tua prisão individual, – não podes pensar que ela deixará de consumir o teu corpo e alma – não podes simplesmente afastar-te dela e esperar que não volte até ti e te sobrecarregue mais um pouco.

Enquanto existes nesse teu inferno mental, a vida segue e cria a sua própria história – aquela que tu poderias criar se não estivesses presa nesse teu mundo, … nesse teu tão melancólico mundo!

E é assim; ela não espera por ti, não recua para ver se a acompanhas, não te vê por cima do ombro porque, ela, simplesmente, não quer saber da mudança repentina que fará no teu percurso como ser humano.

Num piscar de olhos vês tudo do avesso, sentes as costas doridas – porque carregas todo o peso dos sentimentos. É como se vivesses no automático, é como se a tua rotina estivesse tão fincada nesse teu sofrimento que já não consegues controlar as tuas vontades porque elas têm o livre arbítrio de o fazer. Acorda, levanta, lava os dentes, come, … e repete – vezes a fio.

Observo a minha cabana, com os olhos marejados. Recuo anos atrás e penso se assim ainda estaria a viver se tivesse feito algo pela minha vida. Poderia ser que um dia todo este sofrimento não fosse em vão, que o coração não estivesse tão apertado, — que estivesse viva.

Estou presa nesta cabana, no meio do deserto, onde a minha única companhia sou eu e a minha pessoa, ambas submersas nas angústias. Não sinto como se fosse o meu lar, não sinto que isto é a vida que eu sempre sonhei ter, que eu sempre dizia que lutaria para conquistar.

Tornou-se nisto. Onde durmo, como, e passo os meus dias. Tenho tarefas às quais devo cumprir, não porque o queira, mas sim porque se não as realizar, algum dia, sofrerei mais pela sua inconclusão. Não gosto de viver assim, mas a rotina faz-me que assim o seja.

Lavo a cara com água fria e olho-me ao espelho. Nunca me vi tão doente, com um olhar tão cansado, com uma tristeza tão abundante. Não me reconheço, simplesmente.

Seco as mãos à camisola e caminho em passos lentos até ao quarto. Visto a mesma roupa de ontem e agarro no resto da fatia de bolo que jantei.

Olho pela janela e está sol. Mas sinto frio como se estivéssemos no inverno, apesar de ser junho.

Talvez tenha parado no tempo, talvez esteja a viver o mesmo dia vezes sem conta, desde que me perdi. Estarei, talvez, a viver o que serão os meus últimos dias?

Doem-me os braços e as pernas, sinto a cabeça latejar.

Sento-me na cama, desfeita. Tento controlar a respiração, mas também é habitual que já não o consiga.

Talvez escavar já não faça parte da minha rotina. Talvez precise deixar que a areia se acumule. E engula-me – a mim ou aos meus sentimentos.

Gabriela Meireles

Escritora e Autora de outros textos como “Monólogos Durante Madrugadas“, “Enintensída”, “Mundo Desconhecido“ e “Futuros Natais

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