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A fome é um dos principais fatores que nos leva a comer. O nosso corpo sinaliza, através de ações específicas, como sejam, por exemplo, a diminuição de energia, tontura e fraqueza ou até mesmo sons, o típico “ronco do estômago”, a nossa necessidade de nos alimentarmos. Alimentarmo-nos é, portanto, fundamental para a nossa sobrevivência.

Contudo, a fome não é, em exclusivo, o fator que influencia os nossos hábitos alimentares. O comportamento alimentar e a nossa relação com a comida são temáticas complexas que envolvem uma combinação de fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais sendo ainda influenciadas por uma variedade de aspetos, incluindo claro está, as nossas necessidades fisiológicas, mas também as nossas emoções, crenças e experiências passadas.

As nossas emoções desempenham um papel importante na forma como nos relacionamos com a comida. Muitos de nós recorremos à comida quando nos sentimos ansiosos, tristes, entediados ou frustrados procurando conforto e distração. A este comportamento atribui se comummente o nome de “fome emocional”, em que a comida é utilizada como forma de (não) lidarmos com as nossas emoções. Não existe, de facto, uma necessidade nutricional que precisa de ser suplantada, mas sim uma emoção ou conjunto de emoções que “precisam de uma resposta”. Do mesmo modo também as nossas crenças e experiências moldam, em grande medida, o nosso comportamento alimentar. Algumas pessoas podem ter crenças negativas relativamente à comida, associando determinados alimentos a sentimentos de culpa ou vergonha, o que pode levar a comportamentos alimentares restritivos ou compulsivos. Também aquilo que nos vai sendo incutido em idades precoces tem impacto na forma como olhamos para a comida. Se somos, por exemplo, ensinados na infância a considerar certos alimentos como sendo “bons” ou “maus”, isso poderá impactar as nossas escolhas alimentares ao longo da nossa vida.

A influência cultural e social desempenha, igualmente, um papel muito significativo nesta relação uma vez que as normas sociais podem influenciar não só aquilo que comemos, mas também como nos relacionamos com a comida e como nos comportamos em relação a ela. Existem, por exemplo, algumas culturas, em que a comida desempenha um papel fundamental na vida social e é comum serem partilhados alimentos específicos em convívios e encontros. Em determinadas culturas há espécies sagradas, cujo consumo está totalmente interdito, enquanto noutras a sua ingestão é bastante comum. Importa ainda referir a disponibilidade e a acessibilidade de alimentos nas diferentes sociedades. Isto porque, o seu valor económico poderá também refletir-se nas escolhas que são feitas. Em muitas comunidades, alimentos saudáveis podem ser mais caros ou menos acessíveis do que alimentos menos saudáveis e isso implica, obviamente, nos hábitos alimentares da população.

Para além dos fatores psicológicos e sociais, é também importante mencionar os fatores biológicos. Por exemplo, certos alimentos são mais estimulantes do que outros, o que pode levar a escolhas alimentares baseadas no prazer imediato. Por seu turno, a genética desempenha também um papel na forma como o nosso corpo responde aos alimentos, regulando a fome e a saciedade. Existem, inclusivamente, estudos que revelam que a genética pode influenciar a nossa preferência por certos grupos alimentares assim como a resposta do nosso corpo a diferentes nutrientes. Pode ser também devido a questões genéticas que umas pessoas são mais suscetíveis ao excesso de peso ou, no pólo oposto, outras revelam maior dificuldade em ganhar peso.

A par da genética também a nossa personalidade dita como nos relacionamos com a comida. Alguns estudos sugerem que pessoas com traços de personalidade mais ansiosos e impulsivos podem ser mais propensas a desenvolver comportamentos alimentares desadequados e prejudiciais.

Tudo isto contribui para que se desenvolva uma relação mais ou menos saudável com a comida, mais ou menos ajustada.

Transtornos alimentares, como sejam, a título de exemplo, a anorexia, bulimia ou a compulsão alimentar são, precisamente, reveladores de uma relação desajustada com a comida uma vez que envolvem padrões disfuncionais de alimentação que podem ter consequências extremamente prejudiciais tanto na saúde física, como na saúde mental. Assim, para desenvolvermos uma relação saudável com a comida, é de suma importância procurarmos um equilíbrio entre as necessidades fisiológicas e as emocionais. Isso envolve reconhecer os sinais de fome e saciedade do corpo, fazermos escolhas ajustadas e adequadas do ponto de vista nutricional, mas também permitirmo-nos desfrutar de alimentos prazerosos sem culpa ou restrições excessivas.

Dedicarmo-nos também a desenvolvermos a nossa consciência alimentar, isto é, prestarmos atenção às escolhas alimentares que fazemos e estarmos conscientes do que estamos a comer e por que motivo o estamos a fazer. Isso poderá ajudar a identificar padrões alimentares disruptivos e, consequente, a implementar mudanças relativamente aos pensamentos e comportamentos que estão na base desses padrões desenvolvendo assim uma relação mais benéfica com a comida.

Adotemos estratégias de mindful eating, por forma a melhorarmos a nossa consciência relativamente aos nossos hábitos alimentares. Esta técnica poderá ser útil uma vez que nos incentiva a prestarmos atenção ao momento presente, sem julgamento ou crítica, reconhecendo e validando o que estamos a viver e experienciar, o que pode ajudar a conseguirmos melhor identificar a nossa fome emocional fazendo com que adotemos comportamentos mais ajustados e adequados para lidar e gerir as nossas emoções.

Concluímos, portanto, que o comportamento alimentar e a nossa relação com a comida são influenciados por uma variedade de elementos complexos. Compreender essa complexidade pode ajudar-nos a identificar e a atuar no sentido de tratar comportamentos alimentares prejudiciais.

Sendo que, em alguns casos, recorrer ao apoio de profissionais de saúde, como nutricionistas e psicólogos especializados em comportamento alimentar, pode ser o suporte necessário para que consigamos aprender a estabelecer padrões de comportamento alimentar mais saudáveis e equilibrados.

Débora Bento Correia

Psicóloga Clínica

Imagem Por, Giuseppe Arcimboldo, “Summer” (Kunsthistorisches Museum)

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