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Menina perversa. A submissa e a dominatrix ao mesmo tempo. É um leão que revela somente rugidos entre dentes com a boca semiaberta. Menina cínica. Anda pelas ruas com o cabelo preto comprido num rabo de cavalo a abanar de um lado para o outro, como um poderoso chicote. Este mesmo acaricia as suas costas e, até mesmo, a sua nuca no seu movimento hipnótico. Menina abusada, olhos de raposa. Vai pela rua com o busto a saltitar e os olhos a perfurar o espetador. Amendoeiras brotaram os seus olhos rasgados sobre a pele morena, a deliciosa pele morena. Menina misteriosa, decerto. Escreve poesia nas partes manchadas de azul bebé no céu. Em bancos de madeira ou concreto, as vezes na terra pastosa desde que se sinta em casa. O universo chama por ela, esta responde sem eufemismos, e o mesmo revolta-se com a menina. Costumava ter 30kg a mais agora tem mais 30 centímetros de busto, quem te viu quem te vê… Anda pelas ruas com as ancas a subir e a descer, um lado de cada vez. Mas, oh, menina, quem te via já não te vê. Trocou amigos preciosos por metais pesados e a escuridão do beco sem saída do seu ser. Menina introvertida. Encontra diversão em ser um furacão que destrói-se a si mesmo num redemoinho sem fim. Encontra diversão nas palavras de quem usa o vocativo de “cabra” ou “insensível” até mesmo “forte” ao invés do seu nome, oh morena… ninguém percebe a fornalha que é a sua cabeça. Que ancas! Que destemida! Na escola adorava a poesia e já sabia o nome dos órgãos genitais e os seus usos antes da primeira aula de anatomia. Oh menina! Que exótica… que descendência tem? Manda-me uma foto ou duas? Gostas de fumar? Oh menina andas por aí ou tenho que te ir buscar? Posso encontrar-me contigo, morena? Já lhe disse que o meu gelado preferido é de caramelo? Oh menina… O verdadeiro monstro que tem em si não é o fogo sob as calças, mas sim as vozes fantasmagóricas no seu subconsciente. Morena… Ele tocou-lhe e não sentiu nada, pois não? Nos filmes era tudo tão bonito… Pensou que sofrer por amor era romântico. Pensou, também, que o sexo era o cúmulo do paraíso, mas é só ele a devorar-te, menina… Mais desconhecida que o fundo do oceano. Encontrou aos 12 escapatória na poesia, mas age como se nada fosse quando pensa que não tem potencial. Por dentro despedaça-se e cola os bocadinhos por ter o neurónio de satisfação em falta. Menina. A língua encaixa-se no fundo da boca, faz uma viagem ao cimo atrás dos dentes e depois outra ligeiramente mais à frente. Me-ni-na. Gosta que lhe toquem o suficiente para que depois toque-se a si mesma, mas não gosta que deslizem as mãos para o seu íntimo. Gosta do que não pode ter e certamente não terá, não o permite… oh menina diga-me lá onde a poderei encontrar! Qual é o seu número? Porque não posso ligar? És tu nas fotos ou é uma farsa, a senhorita? É uma farsa! Mostre a cara! Não, desculpe, eu a amo… pagar-lhe-ei uma bebida, mamacita, mi dulce. Menina foi para casa. O cabelo como serpentes foi solto e não penteado. Tirou da estante da casa-de-banho branca como um hospital o metal pesado e brilhante e encarou o espelho. Viu o seu alter-ego atrás de si através de reflexão e, como um samurai destemido, cortou a veia esquerda do pulso igualmente esquerdo e caiu como num empurrão no chão branco e reluzente agora com pingas de sangue. Porquê o fez, menina? Transpirou e sangrou até adormecer. Viu a sua persona rir-se dela “puta” “vilã” “cruela”. Menina de porcelana. Foi pelas ruas com o top vermelho chicote como cabelo e os olhos cortantes. A única diferença era a pulseira pesada no pulso esquerdo adornada com triângulos dourados. Oh menina, se decifrassem o seu olhar, que segredos do universo descobririam?

Menina de porcelana caiu, partiu. Levantou, reconstruiu. Repetiu, repetiu… Viveu amores melancólicos e comprou saltos demasiado vermelhos, menina. Menina, menininha, meninita, minha. Não é miúda muito menos rapariga e nem sequer pensa em ser mulher. Usa tranças esguias e prefere chupa-chupas de morango. Brinca com tesouros no banho. Busto a saltitar sob o top cinzento… conhecer a menina? Ninguém conhece a menina porque ela não quer.

A brincadeira é mais divertida quando ela, e só ela, sabe as regras. A menina sofre, não sofre, brinca, não brinca, malmequer bem me quer.

Anda pela rua a morena destemida, vai sempre sozinha, mas ninguém a vê. Apenas os espelhos captam a sua presença, refletem o seu ser. O resto? Bem, todos nós vemos o que queremos ver da menina. Doce da vida. Tentação do meu ser. Oh menina, quando, afinal, a poderei ver?

Maria Karolina Santos

Escritora. Autora do texto “Flores Murchas e Borboletas Mortas” e o poema em inglês “Generational Trauma

Imagem Por, Gustav Klimt, “Woman with fan [Dame mit Fächer]

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