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A relação terapêutica é a relação estabelecida entre o paciente e o terapeuta. Parece uma relação banal, de entre tantas relações que constituem o nosso mundo relacional, no entanto, esta relação sustém o processo de acompanhamento psicoterapêutico e é responsável pela manutenção e subsequente sucesso desta intervenção.

A relação terapêutica é um vínculo afetivo de confiança e apego, onde reside o potencial terapêutico revelando-se, por isso, o mais valioso instrumento de intervenção psicológica. Um arquipélago com 3 núcleos, circundados pelo mar da subjetividade das pessoas que constituem esta díade e pela relação de influência mútua que estas ilhas exercem entre si.

O primeiro núcleo é particularmente considerado e utilizado como ferramenta numa perspetiva de intervenção psicanalítica. Trata-se das duas faces desta moeda relacional: a configuração Transferência-Contratransferência. A Transferência consiste no conteúdo psíquico que o paciente traz para a consulta. Através deste conteúdo, o paciente revive os sentimentos, conflitos e defesas que experienciou na situação original e, por isso, permite-nos uma comunicação com o seu inconsciente. No que lhe concerne, a Contratransferência remete para as respostas psicológicas do terapeuta em relação ao paciente, ou seja, pressupõe que o inconsciente do terapeuta compreende o inconsciente do paciente, ao qual acedeu através da Transferência. Este fenómeno, ocorre a um nível psíquico com maior profundidade, emergindo a um plano superior de consciência sob a forma de sentimentos sentidos pelo terapeuta em relação ao paciente. Esta experiência permite o acesso a uma constelação emocional mais profunda do paciente, amplificando o trabalho terapêutico e permitindo uma monitorização do processo psicoterapêutico em curso.

O segundo, é a Relação Real estabelecida entre as duas pessoas que nela participam, o terapeuta e o paciente, englobando características mútuas. Contempla variáveis do terapeuta que imprimem identidade à sua prática profissional através das suas intervenções e da sua postura profissional, que englobam a sua atitude e estilo pessoal (como o terapeuta se coloca na psicoterapia para aplicar a sua técnica), o seu empenho, interesse, empatia, confiabilidade, flexibilidade, amigabilidade, abertura e respeito. Relativamente às variáveis do paciente, estas podem oferecer uma maior facilidade e harmonia no estabelecimento da Relação Real, quando se caracterizam pela motivação para o processo psicoterapêutico, habilidades interpessoais que permitam o estabelecimento e desenvolvimento desta relação, representações internas vinculares seguras fruto da qualidade das relações objetais que estabeleceu com as suas figuras significativas e características diagnósticas ou do funcionamento do paciente que não interfiram com a sua predisposição para a participação nesta relação. Não obstante, estas características do paciente não são, de modo algum, impedimento ao estabelecimento da relação real e, consequentemente, da relação terapêutica.

Por último, e inequivocamente consensual entre as várias abordagens psicoterapêuticas, a Aliança Terapêutica ou Aliança de Trabalho. Esta aliança caracteriza-se pela sua natureza colaborativa, de confiança e respeito pelo desejo de mudança, pelo que remete à capacidade do paciente em estabelecer uma relação de trabalho com o terapeuta, visando determinada mudança. Engloba as tarefas, os objetivos ou metas a retirar do processo e o estabelecimento de um laço de colaboração positiva entre o terapeuta e o paciente. A Aliança Terapêutica, tende a estabelecer-se espontaneamente, partindo do interesse do terapeuta e alguns cuidados para que se proporcione e depende da capacidade reflexiva do paciente, de observar e criticar ou analisar o seu próprio funcionamento, podendo esta ser estimulada e desenvolvida pelo terapeuta.

Como referi, estes elementos estão inter-relacionados, influenciando-se mutuamente e, concomitantemente, ao processo psicoterapêutico e ao seu resultado. Deste modo, torna-se percetível a complexidade e abundância de processos, dinâmicas e significados que existem nesta relação. É por isso fundamental, que o paciente sinta que estabeleceu esta relação significativa, segura e de confiança com o seu terapeuta e que, no caso de não se proporcionar, que o partilhe e explore abertamente com o seu terapeuta. Caso este desconforto permaneça durante as consultas seguintes, mediante a ausência de mudança posterior à abordagem e reflexão conjunta sobre esta dificuldade no estabelecimento da relação, procure outro profissional com quem a consiga estabelecer.

A relação terapêutica é um lugar, no espaço e no tempo, onde ocorre o processo psicoterapêutico, sendo-o também. Um lugar onde o sujeito se predispõe a entrar e contemplar(- se), uma sala de espelhos onde o paciente se encontra consigo e se observa, amparado pelo terapeuta que percorre esta viagem do seu lado. É uma relação especial, igual apenas a si mesma, assimétrica pela neutralidade do terapeuta, um momento a dois centrado num só: no paciente que oferece o conteúdo, recebe e devolve a escuta, a clarificação, a interrogação e produz a sua elaboração e ressignificação, a sua mudança.

Beatriz Cardoso

Psicóloga Clínica

Imagem Por, Jan Steen, “The Doctor’s Visit” (Apsley House)

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