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Estudos recentes colocam as problemáticas de saúde mental como uma das principais causas de morbilidade nas sociedades atuais. Em Portugal, estima-se que 23% da população portuguesa apresente um funcionamento disfuncional. Funcionamentos ansiosos e depressivos, estão entre as principais queixas psicopatológicas reportadas1Pereira, M. A., Araújo, A., Simões, M., & Costa, C. (2022). Influence of psychological factors in breast and lung cancer risk – A systematic review. Frontiers in Psychology, 12. … Ler mais

Quando falamos em psicopatologia, falamos numa área científica que estuda e contextualiza os processos de adoecer na saúde mental – causas, contextos e mudanças estruturais, manifestações e funcionamentos, são foco de estudo e intervenção.

A génese etimológica da palavra psicopatologia tem raízes gregas: Psychê, Pathos e Logos, são as três palavras que ajudam a formar a palavra psicopatologia. Traduzindo para português, significa psique, patológico e conhecimento, compondo, assim, uma expressão transversal a especialidades como e.g. a psicologia e a psiquiatria2Deminco, M. (2018, maio 13). Psicopatologia: Definições, conceitos, teorias & práticas. Psicologia.pt. O portal dos psicólogos. http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1200.pdf.

O campo de estudo psicopatológico incluí fenómenos mentais diversos, naquilo que as tradições médicas, com raízes nos modelos biomédicos tradicionais, enquadram como doença mental. Estes modelos biomédicos contextualizam a doença mental como o centro da atenção médica psiquiátrica. A presença de psicopatologia será aquela que corresponde a um conjunto de sinais e sintomas patológicos e suas manifestações universais. Para estes modelos, o ser humano é composto por um conjunto de sistemas, considerados separadamente (corpo versos mente). O processo de adoecer mental, implica uma alteração na psique3Cabrita, B. A. C., & Abrahão, A. L. (2014). O normal e o patológico na perspetiva do envelhecimento: Uma revisão integrativa. Saúde em Debate, 38, 635-645. … Ler mais.

Atualmente, modelos integrativos têm sido preferidos. Estes modelos integrativos consideram o ser humano na sua totalidade, privilegiando um olhar ecológico e sistémico dos fenómenos humanos – conceituando os sistemas humanos como um todo em funcionamento: corpo e mente existem indissociavelmente; cada ser humano tem características particulares e idiossincráticas; e os fatores contextuais e ambientais são significativos na saúde mental4Kolk, B. V. D. (2020). O corpo não esquece. Cérebro, mente e corpo na superação do trauma (xª ed.). Lua de Papel.. Esta visão permite considerar todos os fenómenos humanos, como parte integrante de processos normativos, daquilo que é ser humano. Na prática, a psicopatologia integrativa vai para além da contextualização sintomática e das classificações nosológicas5Termo relativo à nosologia que se refere ao ramo da medicina que estuda e classifica as doenças, acreditando que o ser humano não é passível de se reduzir a conceitos psicopatológicos versos conceitos de normalidade.

Diversos profissionais, de diferentes áreas de atuação na saúde mental, começam a preterir a visão da psicopatologia assente na dicotomia corpo-mente, apesar dos quadros de normalidade psicopatológica versos presença de psicopatologia ainda serem considerados como critério para diagnóstico, em manuais como o DSM (Manual e Diagnóstico e Estatística das Perturbações mentais) e o CID (Classificação internacional das doenças). Os modelos integrativos psicopatológicos têm ganho seguidores e apoio na comunidade científica, contribuindo para a emergência de novos tratamentos e planos de intervenção, como as terapias bottom-up (de baixo para cima), nas quais se inclui e.g., o EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento, através do movimento ocular).

Seguindo uma visão integrativa, a psicopatologia na idade adulta, não deve constituir um fim em si mesma, apresentar ou não apresentar um diagnóstico psicopatológico, mas antes ser vista como uma área de estudo e intervenção. O diagnóstico, pode ser refletido como um funcionamento, que considera o corpo, a mente, os contextos e as interações humanas. Olhar exclusivamente para os sintomas, poderá renegar a diversidade das composições humanas. O convite é olhar para a psicopatologia na idade adulta, como um processo multifatorial e sistémico. Considerar exclusivamente as categorias sintomáticas de modo isolado, pode significar circunscrever o objetivo principal do campo de estudo psicopatológico – contextualizar os processos de adoecer na saúde mental – e limitar as intervenções psicológicas, bem como a remissão dos sintomas. Assim, alguém que apresente e.g., sintomatologia ansiosa, não significa necessariamente que apresente um quadro nosológico de ansiedade, um diagnóstico psicopatológico. Todavia, a sintomatologia ansiosa reportada ajuda a contextualizar e a refletir o funcionamento do individuo como não adaptativo.

Em contexto de atuação clínica, particularizando a especialidade de psicologia clínica, um olhar psicopatológico integrativo irá permitir e.g., ir para além do sintoma, atuando e.g., nas origens do funcionamento ansioso, intervindo não só na mente, mas também no corpo. Esta questão assume contornos de especial importância, face ao incremento da procura por serviços especializados na área da saúde mental e utilização de terapêuticas medicamentosas, de modo exclusivo.

Cada ser humano tem uma história de desenvolvimento, um funcionamento que pode, ou não, ser adaptativo, e deverá ter acesso a tratamentos adequados, mesmo quando as suas queixas sintomáticas não cumprem critérios suficientes para a realização de diagnósticos diferenciais e sua inserção em categorias nosológicas. Do mesmo modo, receber um diagnóstico psicopatológico não necessita de ser vivido como uma sentença de vida. Podemos considerar cada diagnóstico diferencial como um veículo para a compreensão dos mecanismos de sobrevivência, que estão ativos e presentes na adultez, utilizados para dar resposta às diversas exigências e desafios impostos e experienciados no decorrer do desenvolvimento humano.

Catarina da Costa

Psicóloga e Terapeuta EMDR

Imagem Por, Pieter Brueghel the Elder, “The Fight Between Carnival and Lent [Der Kampf zwischen Karneval und Fasten]” (Kunsthistorisches Museum)

Notas de rodapé

Notas de rodapé
1 Pereira, M. A., Araújo, A., Simões, M., & Costa, C. (2022). Influence of psychological factors in breast and lung cancer risk – A systematic review. Frontiers in Psychology, 12. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.769394
2 Deminco, M. (2018, maio 13). Psicopatologia: Definições, conceitos, teorias & práticas. Psicologia.pt. O portal dos psicólogos. http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1200.pdf
3 Cabrita, B. A. C., & Abrahão, A. L. (2014). O normal e o patológico na perspetiva do envelhecimento: Uma revisão integrativa. Saúde em Debate, 38, 635-645. https://doi.org/10.5935/0103-1104.20140059
4 Kolk, B. V. D. (2020). O corpo não esquece. Cérebro, mente e corpo na superação do trauma (xª ed.). Lua de Papel.
5 Termo relativo à nosologia que se refere ao ramo da medicina que estuda e classifica as doenças

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