O Salvador tem 31 anos, vive sozinho e trabalha numa empresa como técnico informático. O trabalho do Salvador envolve, muitas vezes, contacto com clientes que trazem os seus equipamentos eletrónicos para consertar. Nesses momentos, o Salvador precisa de fazer o atendimento, recolher a informação sobre o problema do equipamento, dar orçamentos para o arranjo, entre outras funções.
Esta parte do trabalho foi sempre aquela em que o Salvador se sentia menos confortável, porque tinha sempre medo de ser julgado e ridicularizado pelas pessoas. Sentiu um grande alívio quando, durante a pandemia de COVID-19, ficou em teletrabalho. Contudo, desde que regressou ao escritório, em regime presencial, tem experienciado enormes dificuldades neste contacto com o público, evitando-o ao máximo, uma vez que não consegue parar de pensar que vai fazer algo de mal e vai ser julgado pelo cliente.
Quando não pode evitar, sente-se extremamente ansioso, com palpitações, tremores, tensão muscular, aperto no peito, sudorese… às vezes ainda na noite anterior, só de pensar que no dia a seguir terá que o fazer! Para além destas sensações físicas, o Salvador é ainda bombardeado com pensamentos negativos relativamente às interações com os clientes. “E se eu bloqueio e não consigo falar?” “E se não sei responder sobre o que se passa com o equipamento e me acham incompetente?” “E se sou despedido?”. De forma a dar a volta a esta dificuldade, o Salvador passa grande parte do seu tempo a tentar antecipar o rumo da interação com o cliente, tentando pensar em todas as perguntas que este lhe pode fazer e como deve responder.
Neste momento, encontra-se com alguns conflitos no trabalho pela incapacidade de desempenhar as suas funções, estando em risco de perder o emprego.
Medo intenso da exposição ao possível escrutínio e julgamento dos outros, evitamento total a situações e eventos sociais, sintomas físicos paralisantes e pensamentos negativos relativos à situação social… estas são as principais características da Ansiedade Social (AS).
Muitas vezes ouço em consulta pessoas a dizerem-me: eu sempre fui muito tímido, isto não é de agora; Fico mesmo muito envergonhada, quando tenho que falar com quem não conheço, é um desconforto com o qual não consigo lidar; E se ao tentar falar bloqueio ou digo coisas sem sentido?”.
Ora, vamos começar por diferenciar estes dois conceitos. Ansiedade Social e Timidez são conceitos distintos. Uma pessoa que é tímida, sente-se inibida, tende a evitar situações sociais ou a escapar das mesmas, pela expectativa de que o resultado da interação social não vai ser favorável para si, o que leva ao descomprometimento de atividades sociais. Contudo, continua a conseguir ser funcional, ou seja, a timidez por si só não envolve emoções negativas ou evitamento de objetivos ou funções que são importantes.
Na AS este cenário muda. O impacto no funcionamento aparece como o principal critério que a separa da timidez. No caso do Salvador, por exemplo, este impacto é visível através da incapacidade de desempenhar as suas funções e do risco de perder o emprego devido a estas dificuldades.
Há vários estudos a associar grandes níveis de incapacidade e qualidade de vida reduzida nos indivíduos que experienciam AS. Este impacto está presente de forma transversal nas várias áreas da vida, sendo que indivíduos com AS tendem a ser mais dependentes, menos produtivos e envolvidos no trabalho, a ter mais problemas ao nível da educação e aproveitamento escolar e maior dificuldade a nível relacional (tanto relações amorosas, quanto de amizade ou familiares).
São diversos os fatores que contribuem para o surgimento da AS, desde genéticos a ambientais e também vários os que contribuem para a manutenção do problema. Desde logo o evitamento, que surge como um escudo protetor dos sintomas paralisantes – se o Salvador evitar esta função de atendimento, não vai sentir o desconforto trazido pela ansiedade (e.g., palpitações, tremores, tensão muscular, sudorese, etc.). Esta é a forma dele se defender e é por isso que sentiu alívio durante a pandemia, pois, durante vários meses, não se expôs à situação temida, mas quando teve que voltar a estar perante este cenário, o desconforto foi mais intenso do que a última vez.
Assim, importa perceber que o problema do evitamento é que contribui para reforçar a lógica enviesada do Salvador, desenvolvida a partir do medo e da antecipação do cenário negativo: se eu for atender aquele cliente, vou fazer algo de mal e ele vai pensar que sou incompetente. Este reforço acontece porque, ao não existir exposição ao cenário temido, não existem “provas” de que este cenário é baseado no medo e antecipação de consequências negativas e existam outros cenários mais realistas!
Neste sentido, é extremamente importante que exista intervenção no sentido de ajustar este padrão de pensamentos negativos e comportamentos desajustados (evitamento). Primeiramente, através da compreensão do problema, identificação de padrões de pensamento e o seu efeito a nível emocional e comportamental. Depois, numa fase mais avançada, a exposição gradual (primeiramente de forma imaginada e só depois no dia-a-dia) e, simultaneamente, o desenvolvimento de estratégias para a gestão de sintomas, tanto cognitivos (pensamentos negativos) como somáticos (palpitações, aperto no peito…) para impedir que surja a estratégia desadaptativa (evitamento) para lidar com o problema.
Em resumo, se lês este artigo e sentes-te como o Salvador, este é o momento de perceberes que o evitamento, embora alivie o desconforto, a longo prazo só vai piorar a situação. É possível aprender a lidar com a Ansiedade Social e ser funcional!
Psicóloga (Disponível para consultas) e Autora do artigo “Psicopatologia na Infância e Adolescência“
Imagem Por, Gerard David, “Judgement of Cambyses: The Arrest of Sisamnes” (Groeningemuseum)
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