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Atualmente o treinador tem de ser sensível não só às exigências da modalidade, mas também às pessoas envolvidas. Por esta razão é que o treinador é como o ponto sensível de equilíbrio entre dois tipos de unidades, sendo elas:

  1. Clube (devendo cumprir as suas exigências, nomeadamente em termos de produtividade e rendimento), e;
  2. Atletas que têm de influenciar e motivar (assegurando-se de que as suas necessidades e aspirações são atingidas e de que estão satisfeitos com o seu envolvimento no clube e na equipa).

A relação treinador-atleta determina como os atletas vivenciam o desporto. Se é verdade que a influência do treinador vai muito além do contexto desportivo (interferindo no desenvolvimento e crescimento pessoal dos atletas), também é verdade que muitos treinadores, sobretudo por falta de formação e informação, não têm uma consciência clara de como e até que ponto afetam os seus atletas1Gomes, A. R., Dias, C. S., & Cruz, J. F. A. (1999). Avaliação e follow-up da eficácia de uma intervenção cognitivo-comportamental no desporto: um estudo caso. APPORT – Associação dos … Ler mais 2Cruz, J. F., Dias, C., Gomes, R., Alves, A., Sá. S., Viveiros, I., Almeida, S., & Pinto, S. (2001). Um programa de formação para a eficácia dos treinadores da iniciação e formação … Ler mais. A capacidade de comunicar e transmitir a mensagem de forma correta são fundamentais no dia-a-dia do ser humano, mas em contexto desportivo esta capacidade é uma das mais importantes, uma vez que contribui para melhorar o rendimento desportivo e o crescimento pessoal dos atletas. A comunicação não se limita à componente verbal, uma vez que mais de metade da nossa comunicação prende-se a componente não verbal. Por este motivo, é importante não haver contradições entre o discurso verbal e as reações não verbais (por exemplo, um treinador que tente restabelecer a calma na equipa durante a competição por gritos e com gestos exuberantes), pois se assim for, a mensagem que pretendemos passar não se torna clara. Algumas diretrizes relativamente ao envio de mensagens verbais na interação com os atletas3Weinberg, R. S. & Gould, D. (2015). Foundations of Sport and Exercise Psychology (6o ed.). Human Kinetics. 4Gomes, A.R. (2011). A relação e comunicação entre treinador, pais e atletas em contextos de formação desportiva. In A.A. Machado & A.R. Gomes (Eds.), Psicologia do esporte: Da escola à … Ler mais:

  • Ser humano – Afirmar claramente as suas necessidades e sentimentos (o que sente, o que pensa) e demonstrar apoio, para que os atletas o escutem e oiçam com atenção, porque se utilizar o sarcasmo, ameaças ou mesmo comparações negativas eles apenas desligam (um exemplo de como ser humano: chamei o guarda-redes no final do treino e sem que ninguém da equipa repasse disse-lhe o quanto era importante ele jogar bem no jogo. Incentivei-o e animei-o a jogar livre e descontraído. Olhei-o nos olhos e dei-lhe um abraço. Percebi que era a melhor forma de incutir-lhe confiança. Fez um grande jogo e a vitória deveu-se muito a ele);
  • Ser claro e consistente – A mensagem que se envia deve ser direta e sem duplo significado (por exemplo, dizer “Eu realmente quero colocar-te a jogar, és um bom atleta, mas este não é o jogo para ti, adaptado às tuas características” pode deixar o atleta confuso, uma vez que se ele é bom porque razão aquele jogo não é adequado para as características dele). Para se saber se estamos a ser claros e consistentes temos de fazer uma pergunta a nós próprios: “Porque vou dizer isto?”;
  • Mensagem verbal vs mensagem não verbal – Ser congruente entre o discurso verbal e reação/comportamento (treinador pedir calma numa competição fazendo aos gritos e com gestos exuberantes);
  • Dar a sua opinião no momento certo – Quando observar que algo não está bem ou necessita de ser mudado, fale diretamente com a pessoa. Às vezes reter a informação pode resultar, posteriormente, numa discussão por uma coisa insignificante. Responder imediatamente também gera um feedback mais efetivo;
  • Ser organizado – Organize os pensamentos antes de falar, para evitar sobrecarregar os atletas com muita informação e utilizar formas simples e precisas. Transmitir informação com base na tarefa a executar. Dizer sempre o que é para fazer em vez do que não é para fazer;
  • Ser dono da mensagem – Assumir pessoalmente o que se pretende dizer, utilizando expressões como “eu penso que” ou “eu acho que”, e evitar expressões como “A equipa acha” ou “A maioria das pessoas acha que” ou “nós pensamos”. Utilizar a terceira pessoa demonstra dificuldade em exprimir o que pensa e/ou sente;
  • Relembrar o que se treinou – Resumir e relembrar do que mais de importante se treinou durante a semana (de preferência recorrendo a um elemento visual, como um quadro);
  • Referir os pontos fortes da nossa equipa e fracos do adversário – Para que a equipa seja capaz de explorar esses pontos durante a competição.

A forma de fornecer feedback faz a diferença na motivação, regulação emocional e rendimento desportivo do atleta. Desta forma, o feedback tem como principais funções motivar e instruir quando é dado relativamente ao desempenho do atleta. O feedback motivacional tenta facilitar o desempenho ao aumentar a confiança e inspirar maior esforço, como, por exemplo, dizer “continua assim”, “tu consegues”, “estás a evoluir”. O feedback instrutivo fornece informações sobre os comportamentos específicos que devem ser executados, os níveis de competência que devem ser alcançados5Weinberg, R. S. & Gould, D. (2015). Foundations of Sport and Exercise Psychology (6.º ed.). Human Kinetics.. Quando um atleta comete um erro, ele tende a ficar à espera de uma observação negativa por parte do treinador e, por vezes, não processa a informação que o treinador transmite, porque normalmente é uma mensagem desagradável e focada no erro. Uma forma de se dar um feedback construtivo de maneira sensível e afetiva é utilizar o feedback sanduíche. Este método engloba três elementos essenciais:

  1. Reforço positivo (ex: “Nota-se que tens esforçado-te muito”);
  2. Instrução para o futuro (ex: “Da próxima vez, remata com mais ângulo”);
  3. Elogio (ex: “Estás a treinar bem, continua assim”).

O conceito-chave do feedback sanduíche é a instrução voltada para o futuro, isto é, após o erro transmitir aos atletas os comportamentos/estratégias para que eles a usem na próxima vez que ocorrer a situação. O motivo para a instrução ser voltada para o futuro deve-se ao facto de evitar que os atletas pensem sobre o erro, uma vez que normalmente pensar no erro resulta em repeti-lo. É igualmente importante que após as indicações de como corrigir o erro seja dado um elogio, para que a probabilidade de a instrução ser lembrada seja maior6Smith e Smool, 1996 cit. por Weinberg e Gould, 2015..

Referencias

Cruz, J. F. A., Gomes, R., & Dias, C. S. (1997). Promoção e melhoria da relação treinador atletas na formação desportiva: eficácia de intervenções psicológicas no andebol. Psicologia: Teoria, Investigação e Prática 2, 587-610.

Sara Tavares

Psicóloga Clínica & do Desporto e Autora do artigo “Guia para ter um Bom Envelhecimento Cognitivo

Fotografia do Rodrigo Antunes do Treino do Selecionador de Portugal (Roberto Martinez)

Notas de rodapé

Notas de rodapé
1 Gomes, A. R., Dias, C. S., & Cruz, J. F. A. (1999). Avaliação e follow-up da eficácia de uma intervenção cognitivo-comportamental no desporto: um estudo caso. APPORT – Associação dos Psicólogos Portugueses.
2 Cruz, J. F., Dias, C., Gomes, R., Alves, A., Sá. S., Viveiros, I., Almeida, S., & Pinto, S. (2001). Um programa de formação para a eficácia dos treinadores da iniciação e formação desportiva. Análise Psicológica, 1 (19), 171-182.
3 Weinberg, R. S. & Gould, D. (2015). Foundations of Sport and Exercise Psychology (6o ed.). Human Kinetics.
4 Gomes, A.R. (2011). A relação e comunicação entre treinador, pais e atletas em contextos de formação desportiva. In A.A. Machado & A.R. Gomes (Eds.), Psicologia do esporte: Da escola à competição (pp. 131-164). Editora Fontoura.
5 Weinberg, R. S. & Gould, D. (2015). Foundations of Sport and Exercise Psychology (6.º ed.). Human Kinetics.
6 Smith e Smool, 1996 cit. por Weinberg e Gould, 2015.

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