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Ele alheio ao mundo, preso numa vida que nunca quisera, mas como quem acredita que num qualquer dia por uma qualquer razão tudo pode mudar.

Naquela manhã de segunda-feira, e talvez por isso mesmo, caminhava lentamente como se os pés lhe pesassem mais do que em qualquer outro dia. Na noite anterior lembrara-se da criança feliz que fora em tempos, dos sonhos que tinha e da vida que sempre aguardara. Nesse mesmo momento percebera todas as desilusões que vivera, percebera a diferença entre ser aconchegado na cama ou dormir todos os dias desacompanhado numa cama tão fria quanto o seu coração começava a ficar. De qualquer modo, não há muito a fazer pensa para si próprio enquanto se arrasta pelas ruas, enquanto se faz acompanhar de documentos e papeis e tarefas, enquanto sobrevive à vida.

O comboio dirigia-se à estação com exatamente 55 segundos de atraso. Nesses 55 segundos uma das folhas que ele carregava deslizou subtilmente pelo ar e atiradiça (como ele não era) atirou-se aos lábios dela, ela surpreendeu-se, olhou e sorriu… nesse momento não só estava a folha marcada pelos seus lábios, como estava o coração dele para sempre marcado por ela. Em 55 segundos duas almas ficaram condenadas ao amor. Ela partiu e ele receou nunca a voltar a ver. Ela temeu por instantes, mas lembrou-se que por vezes o destino faz das suas e aquela troca de olhares não poderia ser um mero acaso.

O tempo passou, ele continuava a sonhar com ela e a cabeça outrora dirigida ao chão passeava pelas ruas com um olhar atento não fosse rever aquele sorriso. Um dia, por mero acaso, ou sorte diria, viu-a, do outro lado da janela, com uma estrada pelo meio, num prédio diferente. Tão perto, mas tão longe, pensou. O seu coração pulou e não se inquietou, esqueceu onde estava e o que fazia, pela primeira vez o trabalho não parecia importante. Seguiu o seu coração, saltou porta fora, correu pela calçada, sorriu…

Ela estava acompanhada, receou não se dever aproximar, aguardou uns momentos, temeu ter tudo sido uma ilusão, na verdade não sabia nada dela e ela poderia nem saber quem ele era. Mas o coração falou mais alto, as pernas moviam-se sozinhas e os olhos brilhavam como nunca. Ela estava agora sozinha e ele estava cada vez mais perto. Viu-a admirar as flores do jardim assim como ele a admirava a ela, percebeu estar apaixonado e disse-lhe, “Olá”.


Ela senhora do seu nariz, dona de um sorriso contagiante capaz de percorrer a monotonia do quotidiano como um pirata que percorre o mundo pelo seu tesouro.

Naquela manhã de segunda-feira, no mesmo quarteirão, uma jovem não perdeu a esperança. A vida ainda não tinha sido tudo o que sonhara em tempos, mas estava viva e só por isso já valia a pena sorrir. De qualquer modo, tudo leva o seu tempo e já havia conquistado umas quantas coisas, quem sabe o que o futuro lhe trará. Ela acredita no Destino e no que estiver destinado para ser. Nessa manhã o seu carro tinha ficado para arranjar e como tal apressava-se pelas ruas não fosse atrasar-se.

O comboio dirigia-se à estação com exatamente 55 segundos de atraso. Nesses 55 segundos uma das folhas que ele carregava deslizou subtilmente pelo ar e atiradiça (como ele não era) atirou-se aos lábios dela, ela surpreendeu-se, olhou e sorriu… nesse momento não só estava a folha marcada pelos seus lábios, como estava o coração dele para sempre marcado por ela. Em 55 segundos duas almas ficaram condenadas ao amor. Ela partiu e ele receou nunca a voltar a ver. Ela temeu por instantes, mas lembrou-se que por vezes o destino faz das suas e aquela troca de olhares não poderia ser um mero acaso.

Ela ainda pensava nele, mas começara a duvidar se tudo não teria sido imaginação da sua mente romântica, cismava em procurar o amor em todo o lado, em todas as mais pequenas coisas e talvez isso a magoasse mais do que deveria. Ele não a procurara, não tinha como, na verdade, e por essa razão ela também não o tinha feito. Aguardou por ele na paragem, mesmo que não tivesse por hábito viajar de comboio, na esperança de o rever, mas nada, nem uma única vez.

Tinha decidido esquecer o episódio do comboio no mesmo instante em que o colega da mesa ao lado sugere irem beber um café. Ela nem gostava de café, mas escolheu não o dizer, talvez devesse sonhar menos e viver mais. Nesse dia tomou uma segunda decisão, acompanhá-lo e assim foi. Percorreram as ruas, os cafés, conversaram, mas não se amaram, o seu coração não o cumprimentou e o seu sorriso não era o mesmo. A sua memória recordava um outro momento e por breves momentos arrependeu-se das decisões desse dia. Agora sozinha rodeada por um belo jardim admirava as flores sonhando ter outra companhia. E como se o destino já a conhecesse ou os seus sonhos se tornassem realidade ali estava ele.


Este conto teve como inspiração a curta-metragem da Disney intitulada, “Paperman”

Vitória Ferreira

Autora e escritora dos textos “Poema ao Espelho“, “Palavras… Que Palavra Mais Peculiar”, “A Dança Entre Tudo e Nada” e outros textos.

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