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Associamos a frase à “tudo aquilo que não sabemos sobre nós mesmos está inconsciente, mas nem por isso, esse desconhecido deixa de nos afetar” a típica imagem que todos nós já vimos de uma ponta de um iceberg – onde vemos algo à superfície, mas abaixo da água vemos tantas outras coisas e outros itens que sustentam aquilo que se vê à partida 1Ver imagem..

Trazendo isto para a nossa vida, aquilo que vejo em mim hoje é apenas a ponta do iceberg daquilo que me formou até hoje. O que está no nosso inconsciente, mesmo que não aparente, reconhecido e fora do nosso acesso, ele continua a afetar-nos. Apresentamos, por vezes, determinados comportamentos ou padrões desconhecendo a sua origem e causa. Se há frase que costumo dizer é que nada é do nada. Ainda que muitas vezes de forma inconsciente, cada experiência que passamos, vivemos e aquilo que aprendemos deixou em nós marcas, comportamentos, pensamentos, crenças, etc.

Crenças e Lentes

Em Terapia Cognitivo-Comportamental falamos especificamente de crenças que as pessoas têm de si mesmas, e que as faz ver o mundo, aos outros e a elas próprias de uma determinada forma. E são tão encaradas como verdades absolutas que muito dificilmente são questionadas. Estas crenças acabam por orientar a nossa vida, funcionando como lentes com que vemos tudo à nossa volta e caso esteja sempre com essas lentes, isso acaba por afetar como levamos a vida (ainda que de forma inconsciente).

Formadas com base nas experiências que tivemos ao longo da nossa história de vida, há também uma subtileza que faz com que nem sempre tenhamos consciência, fazendo com que seja preciso um trabalho a fundo e interno para identificar o que esta por detrás. Por vezes, erroneamente, julga-se que só apresenta crenças disfuncionais quem teve um passado pesado/difícil. Mas não! E um exemplo disso, são pessoas perfecionistas – o comportamento perfecionista pode ser a ponta do iceberg de uma autocobrança excessiva, fruto de uma infância/adolescência com muito sucesso nos estudos e outras atividades, onde a criança/adolescente era muito reforçada positivamente por isso. Nesse sentido, de certa forma ela pode ter começado a associar o seu próprio valor ao sucesso que tem no que faz, e hoje como adulto apresenta um perfecionismo excessivo que a bloqueia 2Isto pois acabou por desenvolver uma crença de que se não continuar a ter sucesso em tudo o que faz, quer dizer que não tem valor. Então há um medo de errar, falhar e sair da zona de conforto. … Ler mais.

Tudo o que aconteceu no nosso passado tem impacto sobre quem eu sou hoje, ainda que não tenha  total consciência disso. Como podemos então começar a ganhar consciência do nosso inconsciente e perceber o impacto que o desconhecido tem em nós?

Tudo começa pelo autoconhecimento. Através dele conseguimos puxar a cassete para trás e nos questionar:

  • Este comportamento que tenho hoje, de onde vem?
  • De onde vem o jeito como me sinto diante dum conflito e/ou situação de stress?
  • Os pensamentos de incapacidade que tenho a meu respeito, de onde vêm?

Olhar para a nossa história de vida como se fosse uma linha cronológica, permitindo-nos relembrar coisas que parecem à partida não ter tido muito impacto, mas que até podem ter influência sobre o jeito como hoje vemos o mundo, os outros e a nos próprios.

Podemos continuar nesta investigação interna questionando o seguinte:

  • Que acontecimentos fizeram com que eu passasse a adotar esta lente que tenho sobre mim mesmo? Sobre o mundo? Sobre as pessoas?
  • Como é que as experiências que tiveste moldaram os pensamentos que tens ao teu respeito?
  • Como é que vês as tuas capacidades?
  • Como é que as experiências que tiveste moldaram o teu comportamento e reações?
  • Será que aprendi com alguém, no passado, a dificuldade que tenho em mudar o padrão comportamental?
  • Será que de forma inconsciente estou a repetir um comportamento aprendido e que, no fundo, eu nem quero agir assim?
  • As experiências que passei, de que forma moldaram a maneira como me sinto diante dos desafios do dia a dia? Este medo, esta ansiedade, esta raiva?
  • Em que contextos é que eu fui moldado a reagir desta forma diante das situações que aparecem na minha vida?

Quando fazes as perguntas certas consegues obter as respostas necessárias. Sim, é um processo que demora, mas passados muitos questionamentos/reflexões é que chegaremos de seguida à realização de que “ahhh, então isto vem daí!”

Após identificarmos e percebermos de onde vem, podemos começar a reclassificar acontecimentos que impactaram como vejo a mim, o mundo e os outros; dando-nos a possibilidade de questionar: Será que hoje faz sentido que eu acredite nisto? Será que a crença de que se eu não for bem-sucedido em tudo o que faço, quer dizer que não tenho valor, será que isto é realmente verdade? Compreendo que fui interiorizando isto ao longo da minha vida, mas fará sentido?

Ao questionar as crenças que toda a vida fizeram-me agir de determinada forma, a verdade é que as crenças não vão mudar instantaneamente, mas começar por mudar a forma como ajo é um bom ponto de partida. Se eu tiver, por exemplo, crenças de incapacidade que limitam as minhas ações no presente, eu posso definir: Que ações e comportamentos eu gostaria de ter, que até hoje esta crença não me ajudou a fazer? Qual seria o passo diferente que eu poderia dar, para na prática, começar a quebrar esta crença de incapacidade.

Nós somos tudo aquilo que não sabemos sobre nós mesmos está inconsciente, mas nem por isso, esse desconhecido deixa de nos afetar, contudo, apesar de a nossa história fazer parte de nós, podemos sempre assumir o controle e responsabilidade de saber até que ponto vamos deixar que o nosso passado impacte o nosso futuro.

Petra Tavaes

Psicóloga

Imagem Por, Cy Twombly, “Leda and the Swan” (The Museum of Modern Art)

Notas de rodapé

Notas de rodapé
1 Ver imagem.
2 Isto pois acabou por desenvolver uma crença de que se não continuar a ter sucesso em tudo o que faz, quer dizer que não tem valor. Então há um medo de errar, falhar e sair da zona de conforto. Tudo isto é de tal forma inconsciente que só após nos debruçando sobre a história da pessoa é que conseguimos perceber o que está abaixo da ponta do iceberg; podendo então desconstruí-lo, caso isto não seja feito, o desconhecido vai continuar a ter um impacto.

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