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O ser humano não sobrevive sem dormir!

Dormir com qualidade tem uma importância extrema para a nossa vida, sendo que o sono é uma das nossas necessidades básicas, tão fundamental, para a manutenção da saúde e bem-estar em geral, quanto comer, beber ou fazer exercício físico, segundo a Associação Portuguesa do Sono (APS) e a World Sleep Society (WSS).

As pesquisas nesta área mostram que passamos cerca de um terço das nossas vidas a dormir e fazemo-lo como mecanismo homeostático, ou seja, para alcançar o equilíbrio do organismo.

Mathew Walker, um prestigiado profissional da área do sono, menciona no seu livro intitulado Porque dormimos?”, que para que esse equilíbrio ocorra, temos que considerar dois fatores fundamentais que garantem a qualidade do ciclo sono-vigília:

  • O ritmo circadiano (ou “relógio interno”, que está alinhado com o ciclo dia/noite e que nos informa quando devemos estar acordados e quando devemos estar a dormir), e a;
  • Homeostase do sono (ou “pressão para dormir”, que traduz a necessidade que o nosso cérebro tem de dormir para que o organismo restabeleça o seu equilíbrio).

As autoras da obra “A ciência do sono”, alertam-nos ainda para um terceiro elemento que não deve ser descurado:

  • Os fatores ambientais que influenciam o nosso funcionamento global e que interferem com a qualidade do sono (por exemplo, a luz solar, alimentação, prática de exercício físico, horário laboral).

As pesquisas efetuadas pela APS, WSS e o Instituto do Sono são claras quanto às consequências da privação do sono. Estas alterações do funcionamento produtivo do sono (e uso o termo produtivo, ao invés de normal, por considerar que o sono é útil para o ser humano) acarretam consequências como: a perda da qualidade de vida em geral, a diminuição da produtividade e energia, a diminuição da atenção e concentração com profundas consequências ao nível da aprendizagem e memória, o aumento de acidentes de trabalho ou em atividades do dia a dia (ex: condução), alterações do humor, problemas cardiovasculares, obesidade, para além de contribuírem para patologias psiquiátricas como ansiedade e depressão.

Cerca de 70% a 90% das pessoas com perturbações de ansiedade apresentam insónia e cerca de 24% a 36% das pessoas com insónia apresentam uma perturbação de ansiedade.

Mas precisamos de ter atenção, pois uma boa noite de sono não está exclusivamente relacionada com ganhos em saúde, mas também com a libertação das angústias e preocupações (aspeto tão fundamental quando falamos de doenças mentais, como as perturbações da ansiedade), referem as autoras do livro “A ciência do sono”.

Assim, é reconhecida a relação íntima entre a ansiedade e as alterações do sono, mais concretamente, as insónias. As autoras do livro, indicam que “cerca de 70% a 90% das pessoas com perturbações de ansiedade apresentam insónia e cerca de 24% a 36% das pessoas com insónia apresentam uma perturbação de ansiedade”, o que por si só já é um indicador da relação bi-direcional entre a saúde do sono e a saúde mental. Ou seja, uma boa saúde do sono contribui para a saúde mental, mas a saúde mental também contribui para a saúde do sono.

Isto transporta-nos para dois aspetos fulcrais:

  • A importância da avaliação e tratamento da qualidade do sono como redutor da sintomatologia ansiosa, e também aos;
  • Casos em que cuidar da higiene do sono pode ser insuficiente e, por isso, torna-se fundamental cuidar dos fatores que geram ansiedade na vida da pessoa para que a qualidade do sono seja reparada. E nestes casos, o acompanhamento psicológico especializado e personalizado torna-se iminentemente prioritário.

O que é preciso entender é que um sono reparador não depende apenas do número de horas de sono, mas também da qualidade das fases do sono e do equilíbrio entre o ciclo sono-vigília. Ou seja, quando se trata de medir o quão bem dormimos, é comum focar no número de horas, mas a qualidade do sono e o impacto que ele tem sobre como nos sentimos e funcionamos no dia seguinte são igualmente importantes.

É fundamental estarmos atentos aos nossos hábitos diários, tanto ao longo do dia como antes de ir dormir.

O sono saudável é o sono que restaura e energiza uma pessoa, para que ela se sinta bem acordada, dinâmica e enérgica durante o dia, então para avaliar a qualidade do sono devemos responder a estas três questões:

  • Quão reparador foi o meu sono?
  • Sinto-me revigorado após esta noite de sono?
  • Sinto-me descansado e pronto para lidar com os desafios do dia até ao próximo sono?

Por fim, para termos um sono saudável, de acordo com Ângelo Soares, na sua obra “O sono”, é fundamental estarmos atentos aos nossos hábitos diários, tanto ao longo do dia como antes de ir dormir. Esta importância advém do facto de que alguns hábitos, aparentemente vulgares e inocentes, contribuem negativamente para a qualidade do sono: dificultam o adormecer, fragmentam o sono e/ou impedem o sono profundo e de qualidade.

Em seguida, partilho alguns hábitos diários que ajudam a manter uma rotina de higiene do sono, de modo a darmos pistas ao nosso cérebro e ao nosso corpo de que a hora de descansar está a chegar, e consequentemente, termos uma maior qualidade de sono:

  1. Procurar manter a hora de deitar e acordar (mesmo aos fins de semana);
  2. Expor o máximo possível à luz natural, de preferência de manhã, ao acordar;
  3. Ter uma rotina alimentar (ex: comer sempre às mesmas horas) e evitar comer perto da hora de dormir comidas pesadas;
  4. Evitar o consumo de alimentos que contenham cafeína a partir das 15h00;
  5. Praticar atividade física durante o dia e de forma regular (de preferência sempre no mesmo horário, para ajudar no ciclo do sono e evitar essa prática perto da hora de dormir, pois pode contribuir para uma excitação);
  6. Durante o dia, se possível, trabalhar/estudar num ambiente com luz natural;
  7. Ter uma agenda para organizar e planear os dias;
  8. Escrever num papel tudo o que foi feito no dia e o que precisa ser feito no dia seguinte, para a organização;
  9. Incluir o mindfulness na rotina diária (por exemplo, através da respiração ou de meditações);
  10. Evitar as sestas durante o dia, principalmente nas oito horas que antecedem o deitar (pois é a hora de acordar que fundamentalmente determina a que horas voltamos a ter sono de novo);
  11. Criar pistas que nos alertam que está a ficar próximo da hora de dormir, tais como:
    • Priorizar, neste tempo, atividades leves e prazerosas;
    • Tomar um banho quente antes de ir para a cama (ajuda a relaxar os músculos e dá-nos sensação de conforto) ou optar por um chá;
    • A rotina após o jantar deve ser semelhante todos os dias;
    • Parar ou diminuir ao máximo, três horas antes de dormir, as atividades intelectuais possíveis para evitar o aumento de noradrenalina (e alerta);
    • Evitar o uso telemóvel/tecnologias, pelo menos 45min antes da hora de deitar, porque interfere na produção de melatonina (hormona responsável pelo sono) e a luz emitida por estes dispositivos faz-nos despertar (ex: substitui os ecrãs por um livro);
    • Caso o ponto anterior não seja possível, opte por diminuir o brilho dos ecrãs (seja do telefone, televisão, tablet, etc.);
    • Deixar o ambiente silencioso e mais escuro a partir das 19h (evitar luz perto da hora de dormir, especialmente branca, pois faz com que o cérebro interprete que ainda é dia);
    • Evitar o consumo de líquidos a partir das 20h
    • Dormir sempre no mesmo espaço (o quarto serve para dormir e atividade sexual), não se deve trabalhar ou levar o computador e tarefas de trabalho para a cama;
    • Procurar dormir entre 7h a 9h por noite;
    • Usar roupa confortável para dormir;

Concluímos então que existe uma relação entre a qualidade do nosso sono e a nossa saúde mental e por isso, devemos adotar os hábitos acima indicados, nunca descurando uma boa noite de sono. Sugiro que cada leitor dê uma oportunidade a cada hábito, experimente de forma consistente e perceba quais consegue introduzir na sua rotina. Nunca é demais recordar: cada caso é único.

Andrea Jesus

Psicóloga Clínica

Imagem Por, Man Ray, “Sleeping Woman

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