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Abordei, num artigo passado, o papel de modelos que os pais têm com os seus filhos e como isso contribui para a expressão e regulação emocional. Os pais funcionam como modelos para os seus filhos e muita da sua aprendizagem é feita através deste método. Assim, a forma como nos comportamos em relação aos outros e como nos relacionamos uns com os outros, também advém muito daquilo que já observámos os nossos pais (ou outras figuras significativas) fazerem. Aqui exploramos brevemente o papel que os pais podem ter enquanto modeladores de violência e qual o impacto que esta pode ter no desenvolvimento infantil.

Expor uma criança (enquanto vítima ou espetador) a violência física e outras formas de violência dentro da família, para além de colocar em causa o desenvolvimento saudável e adaptativo da criança, aumenta também a probabilidade de problemas de saúde física e mental ao longo da vida dessa criança. A investigação demonstra que crianças expostas à violência apresentam maiores problemas de internalização (nomeadamente ansiedade e depressão) e de externalização, como perturbações de comportamento e antissociais (nomeadamente na dificuldade de interpretação de situações sociais e na diminuição da capacidade de empatia)1Benaventa, R. (2021). O impacto da violência doméstica nas crianças e jovense a necessidade de intervenção especializada. Ordem dos Psicólogos Portugueses.. Para além de contribuir também para a deterioração das relações entre pais e filhos, existe ainda uma maior propensão a que estas crianças vítimas de violência sejam perpetuadores de violência doméstica na vida adulta2Altafim, E., McCoy, D., & Linhares, M. (2021). Unpacking the Impacts of a Universal Parenting Program on Child Behavior. Child Development 92(2), 626-637.. Assim, não será de espantar que a literatura sugira que filhos de pais reclusos apresentem maior risco de se envolverem em comportamentos que levam ao encarceramento, maiores dificuldades de ajustamento, problemas de comportamentos e de saúde mental e pior desempenho académico, que se perpetuam na adolescência e vida adulta3Poehlmann-Tynan, J., & Turney, K. (2020). A Developmental Perspective on Children With Incarcerated Parents. Child Development Perspectives,15 (1), 3-11. DOI: 10.1111/cdep.12392.

No ano de 2022, em Portugal, os registos de violência doméstica4Sistema de Segurança Interna. (2022). Relatório Anual de Segurança Interna (RASI2022). contra cônjuge foram 26 073 (um aumento de 15.8% comparativamente com o ano anterior). Na violência doméstica contra menores, o número de casos foi de 819 (um aumento de 28.2% comparando ao ano anterior). No seu todo, foram registadas 30 488 participações de violência doméstica, ultrapassando o número de 26 520, registado em 2021, destacando assim um crescimento de 15%.

Perante isto, é urgente e fundamental a adoção de medidas de prevenção e intervenção, de forma a garantir o desenvolvimento saudável das nossas crianças. Uma das formas de combate a estas situações é a implementação de programas de promoção de competências parentais e de conjugalidade saudável5Benaventa, R. (2021). O impacto da violência doméstica nas crianças e jovense a necessidade de intervenção especializada. Ordem dos Psicólogos Portugueses.. A intervenção parental é essencial para a promoção da saúde mental e desenvolvimento das crianças, tendo em conta o papel crítico que as práticas parentais desempenham, quer no desenvolvimento de competências nas crianças, quer no desenvolvimento e manutenção de problemas comportamentais6Ramos, F., Pereira, A., Marques, T., & Barros, L. (2019). Parents’ perspectives about their experience in the ACT-Raising Safe Kids program: A qualitative study. Análise Psicológica, 37(3), … Ler mais. Neste sentido, tem vindo a ser demonstrada a eficácia dos programas de intervenção parental em vários domínios, nomeadamente na promoção de práticas parentais positivas, na redução da parentalidade coerciva e de problemas de comportamento nas crianças e na melhoria das capacidades e conhecimentos dos pais, assim como na relação entre pais e criança. Para além disso, a complementaridade de intervenções parentais com programas de promoção de conjugalidade saudável, contribuirá para o desenvolvimento de ambientes mais saudáveis e seguros.

Bibliografia:

  • Eddy, J. M., Martinez Jr, C. R., & Burraston, B. (2013). VI. A Randomized Controlled Trial of a Parent Management Training Program for Incarcerated Parents: Proximal Impacts. Monographs of the Society for Research in Child Development. https://doi.org/10.1111/mono.12022
  • Gershoff, E. T. (2002). Corporal punishment by parents and the associated child behaviors and experiences: a meta-analytic and theoretical review. American Psychological Association, 128, 539–579.
  • Gonzalez, C., Morawska, A., & Haslam, D. (2018). Enhancing Initial Parental Engagement in Interventions for Parents of Young Children: A Systematic Review of Experimental Studies.C linical Child and Family Psychology Review, 21 (3), 415-143. https://doi.org/10.1007/s10567-018-0259-4

Bruna Paulino

Psicóloga e autora do artigo “Parentalidade e Modelagem

Notas de rodapé

Notas de rodapé
1, 5 Benaventa, R. (2021). O impacto da violência doméstica nas crianças e jovense a necessidade de intervenção especializada. Ordem dos Psicólogos Portugueses.
2 Altafim, E., McCoy, D., & Linhares, M. (2021). Unpacking the Impacts of a Universal Parenting Program on Child Behavior. Child Development 92(2), 626-637.
3 Poehlmann-Tynan, J., & Turney, K. (2020). A Developmental Perspective on Children With Incarcerated Parents. Child Development Perspectives,15 (1), 3-11. DOI: 10.1111/cdep.12392
4 Sistema de Segurança Interna. (2022). Relatório Anual de Segurança Interna (RASI2022).
6 Ramos, F., Pereira, A., Marques, T., & Barros, L. (2019). Parents’ perspectives about their experience in the ACT-Raising Safe Kids program: A qualitative study. Análise Psicológica, 37(3), 285–300.

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