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A esquizofrenia é uma perturbação mental que afeta a capacidade do indivíduo de pensar, sentir e comportar. É uma perturbação complexa que, segundo a OMS (2023) afeta 24 milhões de pessoas, isto é, 1 em 300 pessoas no mundo. Apesar de poder ocorrer em qualquer momento do desenvolvimento, a idade típica de surgimento é no final da adolescência e início da idade adulta, sendo que é variável entre os homens (início ou meio da terceira década de vida) e as mulheres (final da terceira década de vida).

Esta é uma perturbação mental que se encontra inserida nas Perturbações do Espectro da Esquizofrenia e Outras Perturbações Psicóticas, como na Perturbação Esquizotípica da Personalidade, a Perturbação Delirante, Perturbação Esquizofreniforme, entre outras. No fundo, para ser mais simples de entender, imaginem um guarda chuva onde cabem vários problemas que partilham características centrais relativamente aos sintomas.

Os sintomas podem variar consoante os indivíduos, mas os sintomas mais comuns, aquando do pedido de ajuda, são os sintomas positivos que acrescentam alterações em vários domínios do funcionamento, nomeadamente:

  • Alucinações
    Sendo estas experiências perceptivas que acontecem sem a presença de um estímulo externo. Estas alucinações são comuns ao nível auditivo em que a pessoa ouve vozes a falar para si, sendo estas ordens (“estás a ver aquele rio? entra na água”) ou comentários sobre si na terceira pessoa (“ele(a) está a abrir a porta” quando a pessoa entra em casa, por exemplo).Estas alucinações podem ocorrer em todos os sentidos – visuais, táteis, gustativos e olfativos. Efetivamente, a pessoa pode ver, ouvir, sentir e cheirar coisas que outras pessoas à sua volta não conseguem. Um aspeto importante sobre as alucinações é que, apesar de não existir um estímulo externo, a experiência é tão clara e vívida como se este existisse, não estando a pessoa sob o controlo do seu surgimento. De facto, o provável é que não consiga sequer entender que aquela experiência não é real.
  • Delírios
    Aqui surgem ideias das quais a pessoa está completamente convencida e que não são possíveis de alterar, mesmo mostrando evidências que as contrariem. Os delírios podem ser: persecutórios (neste caso o discurso do indivíduo seria, por exemplo, “eles estão atrás de mim”) e de referência (aqui a pessoa acredita que gestos, comentários e estímulos do ambiente são dirigidos a si, sendo o discurso, por exemplo, “eu fui o escolhido para receber esta mensagem” ou “ele está a tentar avisar-me que algo vai acontecer”).
  • Pensamento ou Discurso desorganizado
    A pessoa apresenta um discurso confuso, expressões faciais inapropriadas ou descarrilamento no discurso. Este sintoma é grave o suficiente para impactar a capacidade do indivíduo de se comunicar eficaz e compreensivelmente. Este sintoma é muitas vezes descrito pelas pessoas com esquizofrenia, como “sinto a cabeça num turbilhão de pensamentos que não consigo acompanhar. Às vezes as palavras saem confusas e as pessoas não me entendem.”
  • Comportamento desorganizado ou catatónico
    Isto diz respeito ao comportamento observável que o indivíduo manifesta e que não é típico, tendo em conta a sua idade e ambiente cultural em que se insere. Isto pode ser desde comportamentos de agitação motora imprevisível ou comportamentos infantis que dificultam a realização de atividades do quotidiano.

Para além destes sintomas, a esquizofrenia apresenta sintomas negativos que representam perdas ao nível do funcionamento social, cognitivo e relacional, sendo caracterizados pela falta de expressão de emoção, isolamento social e dificuldade em iniciar atividades. Dentro destes sintomas, os mais comuns de ocorrerem são:

  • Diminuição da expressão emocional
    Isto diz respeito à diminuição de emoções faciais, no contacto ocular, na entoação do discurso e nos movimentos corporais que dão ênfase ao discurso.
  • Avolição
    Sendo esta a diminuição de atividades com objetivo e motivação por iniciativa própria para participar em atividades sociais ou um trabalho.

O último grupo de sintomas (os sintomas cognitivos) está associado a perdas nas funções cognitivas com impacto ao nível do funcionamento geral – sintomas estes que também se inserem na categoria de sintomas negativos devido às perdas no funcionamento. Alguns exemplos destas perdas estão ao nível da: memória declarativa, memória de trabalho, funções da linguagem, lentificação na velocidade de processamento e redução da atenção. Outros sintomas cognitivos estão associados a défices na capacidade de inferir situações sociais, como é o caso das intenções de outras pessoas, causando uma interpretação irreal de estímulos que conduzem à explicação dos delírios.

Os sintomas da esquizofrenia provocam um impacto clinicamente significativo na vida dos indivíduos e um enorme grau de sofrimento, uma vez que a capacidade do indivíduo ser autónomo é muito reduzida, assim como o de conseguir distinguir a realidade da alucinação ou compreender que a lógica do delírio é refutável. Esta também é uma perturbação associada a disfunções sociais e ocupacionais muito significativas, no sentido da educação e a capacidade de manter um emprego, muitas vezes prejudicadas devido à avolição e outras manifestações consideradas bizarras da perturbação.

Sendo a esquizofrenia uma perturbação tão complexa, as causas para o seu surgimento ainda não estão clarificadas pela ciência. No entanto, acredita-se ser devido a um conjunto de fatores ambientais, genéticos e neuroquímicos que contribuem para o desenvolvimento desta perturbação. Alguns destes fatores podem ser: história genética de familiares com esquizofrenia, abuso de substâncias e desequilíbrios nas células químicas cerebrais.

É importante realçar a necessidade de intervenção ao nível da psicofarmacologia para reduzir os sintomas relativos aos delírios e alucinações, em conjunto com a terapia, para os sintomas poderem ser geridos, para melhorar as competências do indivíduo no relacionamento com familiares/amigos e reduzir o stress.

Neste sentido, deixo-vos a sugestão de assistirem ao testemunho incrível de Eleanor Longden, que experienciou o seu primeiro episódio psicótico quando saiu de casa para ir estudar para a faculdade. E, a partir desse momento, a sua vida mudou radicalmente até compreender que as suas alterações de pensamentos e comportamentos estavam relacionadas com o surgimento desta doença. É um testemunho, na primeira pessoa, do que é a realidade de alguém que tem os primeiros sintomas desta perturbação e o enorme impacto no funcionamento, mas também um testemunho que reflete um enorme processo de transformação.

Para concluir, a esquizofrenia é uma perturbação mental grave que requer acompanhamento e intervenção profissional. Ainda que cause um profundo impacto no funcionamento e vida do indivíduo, com o tratamento correto e acompanhamento frequente, imensas pessoas com esquizofrenia conseguem ter vidas satisfatórias. Se tu ou alguém que conheces lida com sintomas de esquizofrenia, não hesites em procurar ajuda profissional!

Olhando para trás para os destroços daqueles anos, parece-me agora como se alguém tivesse morrido naquele lugar e, no entanto, uma outra pessoa foi salva. Uma pessoa destroçada e assombrada começou essa viagem, mas a pessoa que emergiu foi uma sobrevivente e acabou por se tornar a pessoa que eu estava destinada a ser

The Voices in My Head (‘As Vozes na Minha Cabeça’), de Eleanor Longden

Imagem Por, Eugen Gabritschevsky, “Untitled (1947)”

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