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Importa começar por referir que este artigo tem um caráter psicoeducativo centrado em dois objetivos concretos, nomeadamente a sensibilização para a importância de uma parentalidade assente no afeto e responsividade que é independente do estado civil dos pais e a sensibilização para a importância de manter os conflitos interparentais num nível mínimo, sejam os pais divorciados ou não.

O divórcio é um fenómeno social, responsável por diversos ajustes e mudanças potencialmente stressantes para pais e filhos.

Neste sentido, o divórcio é um dos 10 eventos passíveis de causar stress durante os primeiros 18 anos de vida, integrando o que se designa por “experiências adversas na infância”, consoante o estudo conduzido pelo CDC – Centro de Controlo e Prevenção de Doenças, do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA. E o National Scientific Council on the Developing Child, que propôs três tipos de resposta ao stress (positivo, tolerável e tóxico), inclui o divórcio na categoria de stress tolerável. Resumidamente, o stress tolerável está associado a experiências de maior gravidade, relativamente ao stress positivo, que é de curta duração e de intensidade leve a moderada. No entanto, quando existe a presença de cuidadores afetuosos e responsivos que criam ambientes seguros e ajudam a criança/adolescente a lidar com a situação adversa (no caso em apreço, o divórcio), oferecendo-lhe suporte e apoio necessários, estes fatores de proteção (afeto e responsividade) diminuem o risco desta experiência evoluir para consequências negativas.

Pelo exposto, a afirmação que o divórcio é um evento passível de causar stress para os filhos deve ser seguida por uma advertência, na medida em que alguns dos efeitos negativos do divórcio são devidos a fatores que estavam presentes antes do divórcio, tal como o conflito interparental excessivo (crónico, explícito ou destrutivo). É importante também lembrar que o divórcio não é uma variável unitária, pelo que as crianças são afetadas por uma quantidade de fatores relacionados ao divórcio: conflito interparental, mudanças e ruturas da rotina diária, entre outros. Neste sentido, quanto ao conflito interparental, a literatura sugere que crianças cujos pais se separam ou permanecem em casamentos dominados por conflito podem experimentar muitos dos mesmos efeitos.

Todavia, é também importante referir que os conflitos interparentais podem assumir diferentes níveis de conflitualidade, pelo que nem todos os conflitos interparentais são prejudiciais. Nos casos em que os pais, divorciados ou não, conseguem gerir os conflitos de forma positiva, os filhos acabam por ser beneficiados e aprendem com o exemplo dos pais, na medida em que observam modelos saudáveis de resolução de conflitos, negociação e entendimento.

Quanto à literatura que tem estudado o divórcio, o que tem sido sugerido é que o processo de ajustamento dos filhos ao divórcio dos pais depende, em grande medida, do ajustamento dos próprios pais (conseguirem separar conjugalidade de parentalidade), da exposição dos filhos aos conflitos interparentais (conflito interparental excessivo) e da qualidade da relação parental (entre pais e filhos).

Quanto à qualidade da relação parental, estudos mostram que filhos cujos pais mantêm altos níveis de afeto e responsividade durante e logo após um divórcio têm muito menos probabilidade de apresentar efeitos negativos. Estes são, portanto, fatores de proteção.

Antes de avançar, creio ser pertinente definir o que se entende por responsividade. A responsividade refere-se à sensibilidade das figuras de apego (pais) em perceber, interpretar de uma forma correta e responder, de maneira adequada e consistente, às necessidades da criança.

Neste sentido, a qualidade do relacionamento dos pais quando conseguem separar conjugalidade de parentalidade, a qualidade da parentalidade assente no afeto e responsividade e a capacidade dos pais em criar um clima familiar favorável podem afetar positivamente o ajustamento dos filhos, mais do que o estado civil dos pais.

Consoante o exposto, tendo em consideração que o conflito familiar é identificado consistentemente como fator de risco para os filhos e a relação parental assente em altos níveis de afeto e responsividade identificada como fator de proteção, sugere-se a seguir, a título de exemplo e com carácter geral, algumas atitudes parentais que os pais podem adotar durante e após um divórcio:

  • Manter o conflito num nível mínimo. Acima de tudo, tentar evitar discussões, insultos, hostilidade e criticismo, especialmente na presença dos filhos. Lembrando que o “conflito aberto” tem efeitos negativos sobre as crianças, sejam os pais divorciados ou não;
  • Manter uma cooperação nos cuidados e educação dos filhos, o que envolve a responsabilidade compartilhada e a deliberação ativa por parte de ambos sobre as decisões relativamente aos filhos (coparentalidade cooperativa);
  • Manter a presença e acessibilidade na relação com a criança/adolescente. Os filhos precisam sentir que quando precisarem dos pais, terão fácil acesso;
  • Ficar atentos às necessidades dos filhos e responder-lhes, de maneira adequada e consistente;
  • Auxiliar, guiar, proteger e amar e aceitar incondicionalmente os filhos;
  • Proporcionar estrutura, estabilidade, suporte e cuidados apropriados aos filhos;
  • Cuidar da própria saúde física, mental e emocional, o que trará benefícios não só individualmente, mas também ao nível da relação parental, na medida em que mais facilmente conseguem prover estabilidade, suporte e afeto aos filhos;
  • Encorajar os filhos a terem um bom relacionamento com o ex-cônjuge;
  • Conversar com os filhos sobre o divórcio (sem culpar nenhum dos pais), as mudanças que ocorrerão e os sentimentos;
  • Dar aos filhos respostas concretas às dúvidas deles sobre o divórcio;
  • Ouvir o que os filhos têm a dizer, ainda que nem sempre possam fazer o que eles querem;
  • Não pressionar os filhos a tomar um partido;
  • Reconhecer e elogiar as qualidades do ex-cônjuge na presença dos filhos;
  • Confirmar sempre aos filhos que são amados pelos dois pais, os dois continuam pais deles e são responsáveis por eles, eles não são culpados pelo divórcio e não serão abandonados;
  • Ajudar os filhos a lidar com os sentimentos dolorosos;
  • Avaliar a necessidade de procurar apoio psicológico para a criança/adolescente para melhorar a adaptação destes durante e após o divórcio, fortalecer estratégias de enfrentamento eficazes, reduzir os pensamentos negativos sobre stressores relativos ao divórcio e melhorar a relação parental;
  • Procurar apoio psicológico para os próprios, se necessário, para trabalhar as emoções e sentimentos dolorosos e fazer o luto do fim da relação conjugal.

Todavia, a coparentalidade cooperativa nem sempre é possível. Nas situações em que os pais não estão a conseguir separar conjugalidade de parentalidade e evitar a exposição excessiva dos filhos aos conflitos interparentais, sugere-se aos pais que procurem ajuda profissional (terapeutas familiares) para os apoiar neste processo, e avaliar a necessidade de uma intervenção multidisciplinar, o que pressupõe o envolvimento de diferentes áreas (Psicologia e outras áreas da Saúde, Direito, Educação, Serviço Social, entre outros).

Cláudia Ferreira Gomes

Psicóloga

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