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A nossa personalidade é construída desde a infância sendo moldada pelo que nos rodeia e pelos genes transmitidos pelos nossos progenitores. Por meio de um conjunto de aspetos (ex. esquemas de pensamento, emoções e comportamentos), a nossa personalidade vai moldar como percecionamos e compreendemos o mundo, bem como nos relacionamos connosco próprios e com os outros, o que nos torna seres únicos. No entanto, no decurso do desenvolvimento da nossa personalidade podem surgir fatores que propiciam o surgimento de uma perturbação de personalidade.

Entre as várias perturbações de personalidade encontra-se a personalidade esquizoide. Este termo foi criado pelo psiquiatra Eugen Bleuler para caracterizar sujeitos com tendência a dirigir a sua atenção para o mundo interior, fechando-se para o mundo exterior. Esta definição do psiquiatra vai ao encontro do que ainda caracteriza este tipo de personalidade onde se observa distanciamento social voluntário, desinteresse pelas relações interpessoais e dificuldade em expressar emoções. Deste modo, os sujeitos com personalidade esquizoide tendem a evitar experiências com demasiada estimulação sensorial e/ou social.

Este tipo de perturbação que pertence ao Cluster A das perturbações de personalidade, caracteriza-se por padrões de pensamento persistentes e pouco flexíveis causando sofrimento em diferentes áreas de vida do sujeito (ex. área social, escolar, pessoal e profissional). Apesar deste tipo de perturbação poder afetar qualquer pessoa, apresenta-se com maior regularidade no género masculino, sendo comum que surja na infância (observável através de comportamentos de isolamento social, baixo rendimento escolar, reduzida interação com os pares, podendo em certos casos tornarem-se vítimas de bullying) e se torne mais percetível no início da idade adulta.

Tal como acontece em diferentes Perturbações de Personalidade, o sujeito com personalidade esquizoide não tem consciência de que este tipo de personalidade possa ser um problema, não tendo por hábito procurar ajuda de profissionais que possam promover a aquisição de recursos (competências de socialização, resolução de conflitos e problemas) e de padrões relacionais saudáveis. A origem da Perturbação de Personalidade Esquizoide ainda não é estanque, no entanto, acredita-se que se prende com uma combinação de fatores genéticos e ambientais, tais como:

  • Histórico familiar de Perturbações Psicológicas (Esquizofrenia, Personalidade Esquizoide e/ou Personalidade Esquizotípica);
  • Abuso ou negligência na infância;
  • Desresponsabilização e desapego parental (pais pouco afetuosos e não ativos na vida social e emocional da criança).

Relativamente ao diagnóstico, é necessário que se tenha em atenção a possibilidade de o sujeito apresentar sintomatologia de outro tipo de perturbações psicológicas dada a alta probabilidade de existir comorbilidades (ex. metade dos sujeitos com personalidade esquizoide já experienciou pelo menos uma depressão major). Para ser realizado o diagnóstico de Perturbação de Personalidade Esquizoide é necessário que o sujeito apresente quatro ou mais dos critérios abaixo, de forma consistente, e em idade adulta:

  • Não deseja relacionamentos íntimos (raramente namora e infrequentemente casa, sendo que muitos sujeitos tendem a permanecer em casa dos pais);
  • Prefere escolher profissões e/ou atividades de lazer solitárias, pois têm dificuldade em retirar prazer de atividades de diversão ou lazer;
  • Interesse nulo ou reduzido em se envolver sexualmente, bem como em qualquer atividade que promova experiências sensoriais e corporais (ex. caminhada na praia);
  • Não tem amigos próximos, sem considerar familiares (podem preferir estar sozinhos, não obstante de poderem sentir solidão e isolamento originado por determinadas escolhas);
  • Preferem criar relacionamentos centrados em atividades onde não seja necessário partilhas pessoais e/ou intimidade emocional;
  • Demonstram-se indiferentes a críticas ou elogios (não se incomodam com o que os outros pensam, pois não são capazes de perceber as pistas sociais, tornando-os socialmente inaptos);
  • Frequentemente descritos como frios, desinteressados, retraídos e distantes (pois têm dificuldade em expressar emoções), raramente reagem ou demonstram emoção em situações sociais (ex. sorrir, gesticular) podendo parecer lentificados, com um discurso monocórdico e tendencialmente apresentarem um humor negativo;
  • Facilidade em criarem um universo interno paralelo (tendo dificuldade em distinguir a realidade da imaginação, podendo apresentar alucinações auditivas e visuais, bem como alterações de pensamento, cognição e falta de motivação).

Tratamento

O plano de tratamento definido para sujeitos com personalidade esquizoide deve ter em atenção a dificuldade e desinteresse do sujeito nas relações interpessoais e abarcar diversas valências que alavanquem o sujeito a adquirir os recursos e ferramentas necessárias para ser bem-sucedido nas várias áreas de vida e que nutra as necessidades atuais do mesmo (ex. adquirir competências de coping, desenvolver competências sociais, comunicativas e a autoestima).

O acompanhamento individual é a melhor forma de criar um espaço em que o sujeito se possa sentir seguro para desenvolver as suas competências relacionais, no entanto, é comum que se possa sentir inseguro com as mudanças no estilo relacional e no modelo de colaboração da relação terapêutica. No acompanhamento psicoterapêutico é natural que surja receio do sujeito em perceber que pode ser necessário trabalhar mais aspetos da sua personalidade do que tinha consciência, pois os pensamentos e comportamentos que apresenta não são percecionados como desestabilizadores, podendo trazer sentimentos de ambivalência e desadequação. Sendo assim, embora seja difícil definir objetivos terapêuticos que promovam mudanças a nível da integração social, é importante o terapeuta clarificar e validar o que preocupa o sujeito ao longo de todo o processo, para evitar a divergência entre as expectativas de ambos.

Através da relação terapêutica visa-se potenciar a consciencialização dos padrões de pensamento e comportamento desadaptados mediante sugestões que pretendem criar um movimento de mudança gradual com base numa relação de segurança e confiança com o terapeuta. É, no entanto, comum que as crenças e perceções do sujeito contrastem com as do terapeuta, indo o trabalho focar-se numa gradual expressão de necessidades e emoções, respeitando o ritmo e unicidade da pessoa. Esta aliança vai permitir que a adesão ao acompanhamento psicoterapêutico e ao tratamento farmacológico prescrito seja facilitada.

Quebrando Mitos

Torna-se essencial que nos continuemos a educar sobre estes temas para não continuarem a ser criadas perceções distorcidas referentes às perturbações mentais que podem impactar amplamente a vida do sujeito. Sendo a Personalidade Esquizoide uma condição crónica, é indispensável que os sujeitos sejam acompanhados por uma equipa multidisciplinar para adquirirem e construírem recursos que lhes permitam ter uma vida plena. Atualmente, alguns dos mitos relativos a este tipo de perturbação prendem-se com:

  • As pessoas isolam-se porque querem: os sujeitos com personalidade esquizoide não têm consciência de que existe um problema na forma como pensam e comportam-se, logo não tentam fazer mudanças, mesmo quando esses fatores impactam as diversas áreas da sua vida;
  • As pessoas com personalidade esquizoide são só estranhas: os sujeitos com personalidade esquizoide apresentam comportamentos ou pensamentos peculiares, pois não têm recursos para fazer diferente;
  • As pessoas com personalidade esquizoide são violentas: os sujeitos com personalidade esquizoide tendem a isolar-se e não demonstrar afeto, no entanto, não se envolvem em conflitos de modo a evitar interação;
  • As pessoas com personalidade esquizoide são frias e não têm sentimentos: o facto de existir uma lacuna ao nível da adequação social e da identificação e regulação emocional, não significa que pessoas com personalidade esquizoide não sintam solidão e não possam sofrer com a dificuldade que têm em se expressar nas relações com os outros.

Através da partilha de informação e da promoção de uma maior literacia sobre saúde mental podemos alterar a perceção sobre as pessoas que experienciam qualquer tipo de perturbação do foro mental, diminuindo o estigma e aumentando o espírito de compaixão e entreajuda entre todos.

Se sofres de algum tipo de Perturbação Psicológica ou conheças alguém que sofra não hesites em procurar/sugerir ajuda de um profissional de saúde.

Imagem Por, Hans Thoma, “Loneliness” (National Museum in Warsaw)

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